Celebridade
Maria Eduarda de Carvalho revisita a história das mulheres e provoca reflexões profundas: ‘Difícil’

No ar em Garota do Momento, Maria Eduarda de Carvalho reflete sobre ser mulher nos dias de hoje em entrevista à CARAS Brasil
Conhecida pelo público da TV por seu bom humor, Maria Eduarda de Carvalho (42) vem mostrando outra faceta ao mergulhar em assuntos mais profundos. Na novela global Garota do Momento, a atriz retratou de forma brilhante o Transtorno Obsessivo Compulsivo de sua personagem Teresa. Fora das telinhas, ela vem se dedicando a outros projetos densos.
Imersa no universo feminino, a artista transformou conhecimento e experiências em arte ao roteirizar e dirigir o documentário Nós por Todas, que surgiu após uma crise aos 40 anos. “Diante de uma extensa lista de desejos não realizados até aquela emblemática data, comecei a me perguntar quem era a mulher que eu não estava me tornando”, revela a artista, que, ainda passeando pelo tema, criou a websérie Ser Mãe É.
“Ainda é difícil para muita gente pensar que uma mãe pode e deve ter desejos que não estejam vinculados direta, ou indiretamente, à maternidade”, observa, em papo exclusivo com CARAS em seu apartamento, no Rio de Janeiro.
– Garota do Momento tem feito sucesso com o público. Como tem sido fazer essa novela?
– É uma honra imensa fazer parte de um projeto que, além de contar com um apuro artístico raro, ainda tem um valor histórico inestimável: revelar ao Brasil a história que a história não conta sobre os nossos “anos dourados”, foi uma sacada genial da Alessandra Poggi. Garota do Momento é uma conjunção de muitos acertos e eu agradeço todos os dias por fazer parte deste grande sucesso.
– A Teresa sofre com o Transtorno Obsessivo Compulsivo, que muita gente vê como mania, esquisitice e não entende que é uma doença. Como se preparou para contar essa história?
– Tenho um pai psiquiatra e uma mãe psicanalista, o que— de certa forma — me torna um eterno caso clínico, mas também me oferta a possibilidade de um aprofundamento maior em relação às questões ligadas ao nosso mundo psíquico. Teresa desenvolveu este transtorno a partir de um evento trágico que aconteceu com sua filha. Refletindo sobre os sentimentos de impotência e de culpa que ela sente, comecei a construí-la.
– Tem recebido retorno do público a respeito do TOC? As pessoas se identificaram?
– Sim! Muitas pessoas vieram me dizer que não sabiam que o que tinham era um transtorno. É muito bacana essa função que a novela também ocupa na vida das pessoas e fiquei feliz quando soube que a personagem começaria a fazer terapia, além de ser medicada. Vivemos um tempo de pouca subjetivação, que se contrapõe a um excesso de medicalização. É importante pensar que a medicação combate os sintomas, mas as causas de uma doença psíquica só serão realmente tratadas por meio de um processo de terapia.
– Garota do Momento fala sobre o lugar da mulher na sociedade, sobre machismo. É triste constatar que algumas coisas ditas nos anos 1950, infelizmente, ainda são comuns hoje.
– A história do mundo ocidental foi forjada a partir de uma construção social que coloca a mulher em um permanente estado de subordinação em relação ao homem. Muitas teorias foram inventadas (algumas até validadas pela ciência) para que as mulheres acreditassem e se conformassem com esta condição. Dirigi e roteirizei um documentário chamado Nós por Todas, que revisita a história da nossa sociedade pelo ponto de vista da mulher. Acredito que a informação é a melhor forma de transformação desta realidade.
– Já teve alguma crise por conta de uma pressão imposta pela sociedade?
– Sim, meu documentário partiu de uma grande crise que tive às vésperas de completar 40 anos. Diante de uma extensa lista de desejos não realizados até aquela emblemática data, comecei a me perguntar quem era a mulher que eu não estava me tornando ao completar 40 anos.
– Como foi esse processo?
– Me dei conta de que muitos “desejos” listados eram imposições culturais que eu nem sabia se, de fato, me representavam naquele momento da vida. Foi aí que iniciei a pesquisa sobre desejo feminino e fiquei bastante impactada com a história — que a história não conta — sobre o nosso gênero, ao longo dos séculos. Comecei a escrever um roteiro em que eu pudesse me usar como personagem para criar uma narrativa que descortinasse a pesquisa de forma interessante para o público. Junto comigo, nove mulheres incríveis integram o elenco do filme.
– O que é ser mulher hoje?
– Para além dos rótulos e dos papéis sociais que nos foram impostos ao longo de séculos, o importante é tatear a sua própria subjetividade e, diante da sua singularidade, buscar a mulher que você deseja ser neste momento da vida.
– Você também criou uma websérie sobre maternidade. Ser mãe é um aprendizado diário?
– Costumo dizer que ser mãe é como abrir um universo paralelo dentro da própria existência, é quase viver uma vida dupla dentro da própria vida. Na verdade, o projeto da websérie surgiu com a pesquisa histórica para o documentário. Dentre tantos desejos que nos são impostos pela sociedade, ser mãe é, talvez, o maior deles. Queria poder discutir de uma forma bem-humorada essa caixa — ainda mais apertada — em que as mulheres são colocadas a partir do momento que têm filhos. Parece elementar, mas ainda é difícil para muita gente pensar que uma mãe pode e deve ter desejos que não estejam vinculados direta, ou indiretamente, à maternidade.
– Como é ter uma adolescente em casa?
– Socorro (risos)! Às vezes, eu me sinto reinaugurando toda uma relação com a minha filha, a Luiza. Como se tudo que nós construímos ao longo destes 14 anos de convivência tivesse caído por terra e, agora, estivéssemos tendo que buscar novas bases de sustentação para o nosso diálogo. É bem difícil, mas muito enriquecedor.