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Virtuosas e a assustadora realidade que escolhemos ignorar

Depois de passar pelo Marché du Film no Festival de Cannes, Virtuosas, novo filme de Cíntia Domit Bittar (Círculos), desembarcou no Rio de Janeiro para a 27ª edição do Festival do Rio, um dos festivais mais importantes do cinema no Brasil e na América Latina.
Na novidade, que conta com roteiro da cineasta em parceria com Fernanda De Capua (A História Delas), três mulheres, lideradas pela admirável e inspiradora Virgínia Heinzel (Bruna Linzmeyer, Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente), participam de um retiro exclusivo com a finalidade de se tornarem melhores mulheres, esposas e mães. No entanto, acontecimentos perturbadores transformam a jornada em uma experiência perigosa e assustadora.
Abordando os bastidores do conservadorismo contemporâneo, Virtuosas é bastante eficiente ao explorar o universo das tradwives, as “esposas tradicionais”, formado por mulheres que, seguindo os preceitos da Bíblia, procuram ser perfeitas esposas e mães, rejeitando o feminismo por, supostamente, ser contra isso.
O movimento tem se popularizado nas redes sociais nos últimos anos e, no filme, vemos bons exemplos dessas mulheres, a começar pela líder, que ganha a vida pregando os conceitos de uma “mulher virtuosa”, mesmo que não os siga tão fielmente quanto cobra de suas discípulas.
Há também aquela que genuinamente acredita que pode seguir os ensinamentos de Virgínia para ter uma vida perfeita e feliz; e, em contraponto, uma mulher exausta e infeliz, vencida por uma vida que não trouxe o que ela esperava, mas que se recusa a abandonar.
Através de Germina (Maria Galant, Inventário das Imagens Perdidas), uma mulher aparentemente perdida naquele ambiente, o longa revela uma faceta da sociedade que, por mais absurda que possa parecer, existe bem debaixo do nosso nariz. Cada personagem é uma representação do que vemos no dia a dia e escolhemos ignorar.
Mais do que o filme em si, que é vendido como uma história de terror, Virtuosas assusta por essa proximidade com uma realidade em que as pessoas acreditam e se sentem compelidas a fazer o que bem entender em nome de Deus, sem se preocupar com as consequências — até porque elas dificilmente vão existir, se considerarmos o perfil de quem normalmente prega pelo conservadorismo.
Virtuosas ainda é um importante registro de um Brasil que, no futuro, deve ser estudado nas salas de aula. É também um alerta de que, às vezes, é melhor não ignorar totalmente a loucura do outro. Afinal, não é à toa que palhaços conquistaram e continuam a conquistar espaços significativos nos últimos tempos.
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