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Trump está transformando a Casa Branca em uma ‘propriedade de marca’

É tão literal que chega a parecer clichê. Um trator demolindo as paredes do Ala Leste da Casa Branca, esmagando madeira estilhaçada, emaranhados de fios, vergalhões, drywall e gesso. Se a cena tivesse sido criada na sala dos roteiristas do Saturday Night Live, o próprio presidente Donald Trump estaria dirigindo a escavadeira. Afinal, a demolição marca o nascimento turbulento de sua ideia: um salão de baile de US$ 250 milhões inspirado no de seu resort Mar-a-Lago, em Palm Beach — um colosso de vidro e colunas que, segundo historiadores e arquitetos, está sendo construído sem levar em conta o caráter histórico do prédio e fora dos limites da lei. Bem-vindo a Mar-a-Lago no National Mall, o Versailles de Trump em Washington.
“Historicamente, grandes reformas na Casa Branca foram operações rigorosamente planejadas, supervisionadas por órgãos burocráticos — nunca impulsivas, nunca unilaterais”, diz a historiadora Alexis Coe à Rolling Stone. “A reforma atual foge completamente dessa norma. A demolição e a construção planejada no Ala Leste estão ocorrendo com transparência mínima, sem revisão pública visível do [Serviço Nacional de Parques] e com supervisão financeira incerta.” Apesar das escavações já estarem em andamento, a Casa Branca informou ao Axios, na quarta-feira, que ainda não havia submetido seus planos de renovação à National Capital Planning Commission (NCPC) — o órgão normalmente responsável por aprovar projetos de desenvolvimento em terrenos e edifícios federais. A comissão — assim como boa parte do governo — permanece fechada em meio à paralisação administrativa, mas as equipes de construção do presidente continuam trabalhando a todo vapor.
Entre os séculos XVII e XVIII, o imperador francês Luís XIV gastou milhões para expandir seu pavilhão de caça em Versailles e transformá-lo em um vasto complexo palaciano de onde poderia abrigar — e supervisionar — a aristocracia francesa. Trump, que já comparou seu gosto decorativo ao da obra-prima barroca, parece compartilhar o mesmo impulso. Ele batizou sua extravagante propriedade Mar-a-Lago de “Casa Branca do Sul” e passa ali uma quantidade impressionante de tempo, cercado por todo tipo de figuras influentes do Partido Republicano. Se o rei francês tratava Versailles como um clube residencial para seus cortesãos e súditos, o presidente americano tem seu resort em Palm Beach. Agora, essa mesma filosofia está sendo aplicada não a um hotel, campo de golfe ou cassino de Trump — mas à própria residência oficial do poder político americano.
Desde que voltou à Casa Branca, Trump embarcou em um extenso projeto para literalmente redesenhar a histórica residência presidencial à sua própria imagem. O Salão Oval foi coberto com decorações douradas e molduras que lembram bricolagem de loja de ferragens, com toda a sutileza de uma colagem infantil feita com cola glitter. A Colunata Oeste foi transformada em uma “Calçada da Fama Presidencial”, exibindo retratos de todos os presidentes americanos, com uma exceção: o ex-presidente Joe Biden, substituído por uma foto de uma autopen (máquina de assinatura automática).
O Jardim das Rosas foi arrancado e pavimentado, numa tentativa de recriar o terraço de Mar-a-Lago — sem piscina e, claro, sem o clima agradável da Flórida. As roseiras deram lugar a guarda-sóis laranja onde os conservadores mais abastados e poderosos jantam ao ar livre com seu presidente.
Mas foi o projeto mais ambicioso de Trump que nos levou à cena testemunhada nesta semana: um trator nos jardins da Casa Branca, fornecendo uma lembrança visual vívida da campanha desenfreada do presidente para remodelar as instituições nacionais à sua própria imagem. As reformas vêm sendo realizadas sob o mesmo manual de sua forma de governar: órgãos fiscalizadores foram ignorados, processos de aprovação foram deixados de lado e a transparência financeira, abandonada.
Na semana passada, a Society of Architectural Historians (SAH) publicou uma carta aberta pedindo que o governo “siga um processo de design e revisão rigoroso e deliberado”, condizente com um edifício de tamanha importância histórica e cultural.
“Embora reconheçamos que a Casa Branca é um edifício com necessidades em constante evolução […] o salão de baile proposto será a primeira grande mudança em sua aparência externa em 83 anos”, escreveu a SAH, destacando seu apoio às recomendações para o projeto apresentadas pelo American Institute of Architects (AIA).
A Casa Branca afirma que os projetos estão sendo financiados por uma combinação de doadores privados divulgados e não divulgados. Algumas empresas, incluindo a Alphabet, teriam concordado em investir milhões no projeto para encerrar processos judiciais considerados frívolos movidos por Trump. Ainda assim, a Casa Branca não é uma residência privada sujeita aos caprichos de um proprietário que pode reformar o banheiro quando quiser. É, como descreve Coe, um “museu vivo” — uma propriedade histórica mais comparável a um luxuoso AirBnB de longo prazo para o presidente e sua família, de propriedade dos contribuintes, mantida pelo Serviço Nacional de Parques — e, portanto, sujeita à supervisão pública.
Em agosto, o American Institute of Architects (AIA) enviou sua própria carta lembrando o presidente de que “a Casa Branca é a ‘Casa do Povo’” e que, embora Trump “possa ter obtido financiamento privado, ela não é um edifício particular”.
“Qualquer modificação nela — especialmente modificações dessa magnitude — deve refletir a importância, a escala e o peso simbólico da própria Casa Branca. Da mesma forma, o processo deve estar à altura da relevância do edifício e da dimensão das alterações propostas”, escreveram.
Até agora, a Casa Branca tem ignorado preocupações e críticas, passando por cima delas com as máquinas de construção do presidente e chamando a resistência de “mais um exemplo de indignação fabricada por esquerdistas desequilibrados e seus aliados da Mídia Fake News”.
“Há mais de um século, presidentes dos Estados Unidos vêm reformando, ampliando e modernizando a Casa Branca para atender às necessidades de seu tempo”, escreveu o Gabinete de Imprensa da Casa Branca em um memorando público. “O presidente Trump está dando continuidade a esse legado, iniciando a construção de um grande salão de baile — uma adição transformadora que aumentará significativamente a capacidade da Casa Branca de sediar grandes eventos em homenagem a líderes mundiais, nações estrangeiras e outras autoridades.”
Mas o problema nunca foi o desejo de modernizar ou construir. “O que realmente distingue este projeto é seu sigilo e sua personalização”, diz Coe. “Neste caso, a linha é borrada no sentido oposto — uma propriedade pública está sendo transformada em algo mais próximo de uma propriedade de marca.”
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