Música
Tame Impala sobre Deadbeat: ‘Eu tive que seguir meu coração’

Nem parecia que Kevin Parker era um dos maiores produtores da música contemporânea. Muito menos que ele lançaria, em alguns dias, o álbum com mais de um milhão de pré-saves no Spotify — o mais salvo do mundo. Mas lá estava ele, com a voz ainda embargada de sono, tranquilo e de bom humor. O multi-instrumentista, conhecido como Tame Impala, conversou com exclusividade à Rolling Stone Brasil sobre seu novo disco de estúdio, Deadbeat, e seu momento na carreira.
Após quatro álbuns, músicas com bilhões de reproduções, algumas indicações ao Grammy e uma vitória em 2024, Kevin Parker decidiu lançar mais um projeto — cinco anos após The Slow Rush (2020).
Se seus trabalhos passados focavam em grandes reflexões sobre o tempo e o espaço durante viagens introspectivas psicodélicas, seu novo disco, lançado na madrugada desta sexta, 17, volta os olhares para a simplicidade da rotina.
Kevin, The Slow Rush reflete sobre o tempo e Deadbeat olha para as emoções e o cotidiano. Foi mais difícil encontrar poesia na rotina?
Não, definitivamente não. Acho que há beleza nas coisas do dia a dia. As coisas do cotidiano são onde nossa vida está — é onde ela está agora. Pode até ser difícil enxergar a beleza nisso, mas a poesia está lá.
Dá para perceber várias influências ao decorrer do álbum, principalmente nas batidas e texturas inspiradas mais voltadas pro acid house dos anos 1990. Como foi para você revisitar essas ideias dentro do universo do Tame Impala?
Foi muito divertido. Acho que a música do Tame Impala em todos os meus álbuns se encaixa muito bem com o tipo de hipnotismo do trance do início dos anos 90. Porque para mim, é toda música feita para te transportar — para te tirar do lugar em que você está fisicamente.
E você falou do tema e das influências, mas o que realmente aconteceu para você decidir criar Deadbeat?
Eu simplesmente confio na sensação de quando é o momento certo. Fazer álbuns é a coisa mais importante que eu faço na minha vida, então quando é a hora, é a hora.
Deadbeat é bem mais direto e minimalista em relação a Currents (2015) e The Slow Rush (2020), por exemplo. E isso me levou à próxima pergunta: de onde vem isso? Da maturidade ou da vontade de correr riscos?
Acho que provavelmente são ambos, mas provavelmente mais o segundo. Conforme eu amadureci, desenvolvi mais gosto por correr riscos.
Aqui você mergulhou de vez na música eletrônica, seguindo um caminho diferente dos últimos lançamentos. Quando percebeu que o projeto seguiria com essa sonoridade?
Foi bem no começo. Era apenas algo que eu amo fazer, sabe? Eu estava sempre buscando algo novo e empolgante para mim que eu não tinha feito antes. Eu sempre amei música eletrônica, porque eu sempre amei música dance — mas eu simplesmente não tinha confiança para seguir isso. E dessa vez eu apenas pensei: “Por que não?”.
Ouvindo o álbum, fica clara essa nova sonoridade, mas tem uma música que destoa muito das demais: “Etherion Connection”. Por que colocar ela nesse projeto?
Eu simplesmente quis. Posso passar muito tempo decidindo o que é melhor artisticamente para um álbum, mas no fim das contas você só precisa fazer o que parece certo e o que você quer fazer como artista. Parte de ser artista é seguir seu coração. Fazer dela uma faixa totalmente techno e colocá-la no álbum — foi isso que minha arte quis.
E agora falando dos singles que você lançou, Looser, Dracula e End of Summer. Como e por que você escolheu essas em específico?
Escolhi uma de cada vez. “End of Summer” foi a primeira coisa que eu queria que as pessoas ouvissem porque achei que era uma boa introdução ao álbum — mesmo sendo a última faixa. Simplesmente pareceu uma declaração ousada. E “Dracula” foi o primeiro single pop que eu queria que as pessoas ouvissem. Era para ser o segundo, na verdade, mas não conseguimos terminar o videoclipe a tempo. Tivemos que construir uma casa enorme e colocá-la na carroceria de um caminhão.
O álbum todo tem um clima bem leve e dançante, mas aqui as letras autodepreciativas ainda aparecem — inclusive no título. Qual a relação disso? É ironia?
Para mim não é ironia, é como uma contradição. Eu amo colocar música bonita por trás de uma palavra simples e às vezes negativa. Para mim isso faz a palavra parecer mais bonita — dá à palavra um novo significado.
E para você, qual é o elemento que, se removido, faria o álbum deixar de ser um club psych e se tornar apenas pop psicodélico?
Hum, não sei. Eu realmente não sei. Boa pergunta! [pausa] A resposta óbvia são as baterias eletrônicas. Tá, mas eu queria te dar uma resposta menos óbvia. Então acho que provavelmente toda a distorção.
Mudando um pouco de assunto, o disco tem texturas mais secas e minimalistas que, ao mesmo tempo, são densas. Como você conseguiu achar um equilíbrio nesse sentido?
Eu me importei muito com o groove. Para esse álbum em particular, me importei muito em fazer a bateria soar bem — como algo que você possa dançar. Eu amo pop psicodélico dançante. Eu amo coisas que têm muitas camadas. Então é como tentar ficar no topo de duas coisas ao mesmo tempo — algo que possa te fazer flutuar, mas também te fazer dançar.
E agora com seu quinto álbum sendo lançado. O que permanece no Tame Impala desde o lançamento do seu primeiro projeto? Alguma ideia, crença, vontade, desafio?
Acho que sou apenas eu [risos]. Essa é a única coisa com a qual posso contar como sendo o elemento consistente. Todas as coisas mudam — eu mudo como pessoa, meu gosto evolui. As pessoas me dizem que tenho um estilo de composição, mas não consigo ouvi-lo. Só posso acreditar nas pessoas quando elas me dizem que há um. E claro, ainda há desafios. Manter uma boa perspectiva, manter o equilíbrio certo — conseguir se manter lúcido e também se perder nisso. Porque se perder nisso também é importante.
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