Música
Ruas da Glória e o óbvio que ainda precisa ser dito

Um dos destaques na programação da 27ª edição do Festival do Rio, que chegou ao fim no último domingo (12), Ruas da Glória não é dos longas mais originais. Aliás, o filme de Felipe Sholl (Fala Comigo) lembra bastante Baby, um dos vencedores do prêmio principal do festival no ano passado: ambos trazem histórias de homens gays, jovens, inseridos em ambientes desconhecidos e em busca da própria identidade e o afeto que lhe foi negado muitas vezes ao longo da vida.
Na novidade, após sofrer uma grande perda, o professor Gabriel (Caio Macedo, Prédio Vazio) decide se mudar para o Rio de Janeiro, e, em uma saída noturna, fica obcecado por Adriano (Alejandro Claveaux, Rensga Hits!, vencedor do Troféu Redentor de Melhor Ator Coadjuvante pelo papel), um misterioso e instável garoto de programa.
Com pouquíssimas referências do que faz uma família e o que é o amor, Gabriel confunde o sentimento com desejo e cai na armadilha de Adriano, alguém que já se perdeu há muito tempo e não consegue mais encarar a realidade sem buscar por uma fuga, seja no sexo ou em entorpecentes. Quando ele desaparece sem deixar rastros, o jovem inicia uma uma jornada perigosa, que pode lhe custa a própria vida, para encontrá-lo.
Desde o seu envolvimento com Adriano até a busca pelo rapaz após o seu desaparecimento, Gabriel passa por experiências às quais qualquer homem jovem e gay — naquele período cinza de descoberta da própria sexualidade e de como se envolver com outras pessoas — está sujeito. Fisgado pelo amor intenso que o garoto de programa lhe oferece, o professor rapidamente se apaixona. Quando o amado some sem explicações, Gabriel se volta para o que conheceu naquele espaço de tempo: as festas, o sexo fácil e as drogas.
Em um primeiro momento, o plano é seguir qualquer pista que leve ao reencontro entre os dois, mas isso logo se torna um escape para a dor imensurável que o rapaz sente pela ausência daquela figura que demonstrou o único tipo de amor que acredita lhe restar, o amor romântico, já que qualquer outro tipo de amor, como o fraterno, parece ter morrido com a avó.
Essa falta de noção fica clara quando Mônica (papel de estreia no cinema da cantora Diva Menner, que conquistou o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante pelo trabalho), dona da boate Glória, em que Gabriel conheceu Adriano, estende o seu carinho e acolhimento, tratando o jovem como um de seus diversos “filhos”. A princípio, o rapaz aceita a ajuda, mas logo a dispensa, sem reconhecer a importância daquele laço, quando acha que encontrou o amor verdadeiro na relação com o seu instável namorado.
Apesar de focar nas experiências de Gabriel e como a sua ingenuidade e a suscetibilidade aos riscos que cercam as suas vivências, Ruas da Glória também é eficente em mostrar o que pode ser do rapaz caso continue pelos caminhos em que acaba se enfiando. Essa revelação vem a partir dos desdobramentos da história de Adriano, um homem que, no passado, também se perdeu por amor e hoje é só uma casca, sem sonhos, planos ou objetivos além de saciar os seus vícios.
Apesar de sua falta de originalidade, em tempos em que a relação da comunidade LGBTQIAPN+, especialmente homens gays, problemas de saúde mental e drogas está cada dia mais intrínseca, reforçar uma mensagem de que há esperança mesmo quando tudo parece perdido, como Ruas da Glória faz, ainda que não seja o seu propósito, não machuca ninguém. Às vezes, assim como acontece com Gabriel, é preciso ouvir algo uma, duas, três ou mais vezes para, finalmente, entender o que aquilo significa.
LEIA TAMBÉM: Ato Noturno, Hamnet: A Vida Antes de Hamlet, O Agente Secreto e mais destaques do Festival do Rio 2025