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Música

‘Me mostrar artística e emocionalmente’

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*Entrevista presente na edição setembro/2025 da Rolling Stone Brasil |
As rimas inteligentes e ácidas de Ebony, cheias de atitude, estilo e confiança, chamaram atenção já no início de sua carreira, quando cantava trap, seja no single “Cash Cash”, que saiu no SoundCloud, ou nos lançamentos subsequentes, como as músicas “Bratz” e “Glossy” e o disco de estreia, Visão Periférica (2021). Neste período, porém, ela enfrentou algumas pessoas que queriam cercear sua arte.

Dois anos depois, consolidada na cena e com liberdade para fazer o que queria enquanto artista, a rapper se afastou do trap para a produção de Terapia (2023), que conta com influência do “rap raiz”, funk e disco music, e hitou com faixas como “100 Mili” e “Pensamentos Intrusivos”, cujas letras exploram temas sexuais e os limites do absurdo. Poucos meses depois, lançaria “Espero Que Entendam”, diss track que deu um sacode em toda cena do rap nacional.

Então, no terceiro disco de estúdio, KM2, lançado nas plataformas digitais em 12 de maio de 2025, Ebony decidiu fazer um trabalho intimista e revisitar tudo aquilo que viveu onde foi criada, em Queimados, entre traumas e momentos de alegria. Nesta nova fase, buscou fazer as pazes consigo mesma e mostrar que tem algo a dizer além daquilo que esperam dela e, com isso, apresentar Milena Pinto de Oliveira, a pessoa por trás de Ebony, ao público.

Como você sentiu que chegou o momento de fazer as pazes consigo mesma?
Terapia foi uma pesquisa sobre sexualidade, o funk e a linguagem sexual periférica. Eu senti que já tinha encerrado [esse assunto], mas as pessoas ainda estavam com aquela imagem de mim. Principalmente após fazer a diss, que trouxe atenção e muitos olhos para mim, eu estava com todo esse público, em cima de um palco, mas não dizia nada. A minha existência e o meu posicionamento já dizem muito, mas o que a minha música diz?

Aí que comecei a pesquisa do KM2: “Tudo bem, podemos falar uma besteirinha aqui, mas tenho muito mais do que isso. Vocês me ouviriam se eu falasse além de sexo e do que vocês já esperam de uma mulher negra?” KM2 é minha forma de responder essa pergunta. Independente se ouvirem ou não, tenho algo a dizer.

KM2 conta com a parceria entre Ebony e Larinhx após Terapia. O trabalho com ela foi diferente desta vez?
Foi totalmente diferente. [O processo de Terapia] era muito uma jam entre nós duas. Larinhx é de Queimados também. Eu a conheci porque ela já era MC e produtora desde os 13 anos — também é um prodígio. Até hoje, é a única produtora que sabe o que quero fazer só de olhar para a minha cara. Nos entendemos num nível absurdo. Terapia foi esse lugar de fazer funk, falar besteira e xingar. Quando eu me lancei na cena, com 17 anos, as primeiras pessoas que trabalharam comigo tinham uma visão de que eu precisava ser uma artista teen, mas minha vivência não foi nada teen, pelo amor de Deus. Terapia foi: “Quero falar assim, usar pouca roupa e fazer palco com um shortinho desse tamanho”. Larinhx me acompanhou muito nisso. Foram letras feitas sem muita pretensão. Em KM2, quando chego com essa premissa de “agora vou me aprofundar”, precisei falar com Larinhx. A presença de Black Alien na música com ela [“Vale do Silício”] foi muito simbólico.

Esse disco é muito reflexivo e pessoal. Você assina todas as letras e fala da sua infância, de Queimados, questões pessoais e situações pesadas. Como foi fazer esse resgate do seu passado e contar a história pré-Ebony?
Foi um processo até um pouco doloroso. Tiveram algumas músicas que eu, de fato, escrevi chorando sem perceber, porque revisitei muitas coisas que ninguém deveria ter passado. Foi muito desgastante, senti que expurguei algo de mim, ao ponto de que parecia que tinha saído um peso quando o álbum lançou. Finalmente eu falei sobre aquilo após 25 anos. Eu tentei falar outras vezes, principalmente durante os acontecimentos, mas a minha voz não tinha a potência atual. Falar e saber que as pessoas vão ouvir me curou.

Você sente que está emocionalmente pronta para cantar essas canções, que tiveram todo esse processo complexo, ao vivo?
Com certeza. Esse momento de preparação acontece quando começo a escrever. Eu sinto muito que… como posso dizer isso sem parecer insana? É como se eu só usasse os dedos. A letra está ali me sondando e rondando, e só vejo o que fiz após escrever. É como se eu fosse só um estágio entre a letra e o lançamento, como se as letras nem fossem minhas, na verdade.

A primeira música desse álbum que escrevi foi “KIA”. Assim que Larinhx me mandou o beat do Pep [Starling, produtor], eu comecei “desliga o iPhone, tira o fone, só ouve a minha voz…” aí segui. Escrevi umas quatro letras na mesma noite, em umas três horas, talvez. Foi babado, um exorcismo.

Ebony (Foto: Ernna Cost)
Ebony (Foto: Ernna Cost)

Você ainda citou que esse disco não é nem triste, nem feliz. Você poderia elaborar?
Eu fui muito feliz sendo uma criança queimadense, mesmo com todos os atravessamentos. Como a ideia de ser uma criança feliz num lugar cheio de atravessamentos soaria se fosse uma música? Por isso que pensei em vários elementos musicais distintos. Lembro que às vezes eu sentia muita raiva, às vezes estava triste, mas às vezes estava muito feliz. Às vezes eu era só uma criança, às vezes eu era uma criança que precisava agir como adulta.

KM2 explora diferentes ritmos, como rap, funk, drum and bass e trance. Como rolou esse seu estudo sonoro?
Eram tantas emoções que não tinha como ser um único estilo musical, entendeu? Passei por vários estilos de vida e pensamentos ao longo da vida. O primeiro gênero que gostei musicalmente foi rock, depois rap, blues e eletrônica até eu chegar no que faço hoje. Não me parecia certo fazer essa homenagem a todas as versões de mim sem trazer várias versões musicais, também.

“Vale do Silício” é a primeira música em que você fala seu nome, e muita gente até não sabe quem diabos é Milena. Como Ebony e Milena se conversam?
A “Ebony”, vamos dizer assim, foi essa persona que sempre me acompanhou. A Milena sou eu no meu íntimo, quando choro. Só que eu não podia ser vulnerável durante boa parte da minha vida — ninguém ligaria se eu falasse, honestamente. Inventei essa versão de mim que nunca viraria para alguém e falaria “isso está me afetando”, mas essa projeção de autoestima sempre aconteceu. Não é como se eu tivesse inventado algo que não existe, só isolei uma parte que sinto confortável o suficiente para as pessoas verem.

Pela primeira vez — visto que minha moleira está fechando —, eu me senti confortável para: “Você pode ver essa parte minha porque a sua opinião não importa mais”. Durante muito tempo, a opinião das pessoas sobre a Ebony não afetava a Milena, mas as opiniões sobre a Milena eram algo que eu não estava disposta a ter. Por exemplo, a minha aparência foi sempre foi um gatilho para mim, principalmente por ser uma menina preta de escola particular, e eu sinto que a Milena não aguentaria, mas, hoje em dia, sim. Estou em paz e descobri que eu sou belíssima lá fora! As pessoas ficavam me parando na rua: “Gente, você é muito bonita!”

Você ficou com receio de mostrar mais da Milena em KM2?
Falei: “Ih, é o momento, minha moleira tá fechando”. A moleira fechar é muito importante.

Apesar de Visão Periférica e Terapia serem muito diferentes, senti muita presença da Ebony desses outros álbuns em KM2. Para você, como é ter essa dualidade e explorar todas as suas facetas?
Elas estão se fundindo pela primeira vez. Eu ouvia KM2 e foi realmente o que você falou: é como se Terapia encontrasse Visão Periférica, sabe? Tudo está começando a se alinhar.

E como você avalia a era de Terapia na sua carreira?
Foi uma etapa na qual eu queria aparecer mais. Quando comecei a fazer música, não tinha pretensão nenhuma de mostrar meu rosto; eu não via necessidade. Eu tinha preconceito com pessoas que usavam muito da sexualidade para poder conquistar coisas, até que percebi que eu estava sendo uma cachorra reprimida [risos]. Eu criticava o que eu queria fazer igual e fiz as pazes com isso. Decidi mostrar meu rosto e minha relação com autoestima melhorou bastante. Falei: “Em Terapia, vou usar roupas pequenas, ser loura e descolorir a sobrancelha”. Depois disso, várias outras meninas começaram a fazer e me marcar [nas redes sociais] dizendo que eu era referência. Era o caminho certo, entendeu? Terapia foi uma fase de me mostrar fisicamente. KM2 é uma fase de me mostrar artística e emocionalmente.


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+++LEIA MAIS: Ebony critica falta de espaço para mulheres no hip hop: ‘Odeio o fato de verem como algo masculino’


Felipe Grutter (@felipegrutter)

Formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, gosta de ver filmes e séries e ficar com as duas calopsitas de estimação no tempo livre. Na carreira, tem passagem por Rádio Gazeta AM, Exitoína, CineBuzz e Showmetech.

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