Ideias
A arte de viver segundo o estoicismo

Em “O Vendedor Estoico” (editora Alta Books), os empresários e palestrantes Mamá Brito e Rafael Mendes unem técnicas modernas de vendas aos princípios do estoicismo — filosofia nascida na Grécia Antiga e popularizada em Roma, que pregava a razão, a virtude e o autocontrole como caminho para uma vida plena.
A obra mostra que o sucesso comercial (e pessoal) depende menos de convencer o outro e mais de dominar a si mesmo. A partir dos ensinamentos de pensadores como Epicteto, Sêneca e Marco Aurélio, os autores ensinam que o vendedor realmente eficaz é aquele que cultiva disciplina, autoconhecimento e propósito.
O trecho a seguir, extraído do livro, revisita as lições de Epicteto sobre a arte de viver e mostra como a filosofia pode se tornar uma aliada prática em tempos de pressa, ansiedade e competição.
Epicteto foi um filósofo romano que amargou a escravidão durante a primeira parte de sua vida. Seu amo era uma pessoa muito geniosa e violenta, portanto, sua vida não foi das mais fáceis. E, mesmo assim, nos anos vindouros, ele nos presenteou com uma obra maravilhosa: “A Arte de Viver”.
A arte de viver é complexa e muitas vezes não é incluída na nossa formação ou educação moderna. A educação é, muitas vezes, tecnicista e utilitária, ensinando apenas o “saber como”, mas não o “saber por quê”, “para quê” ou “para onde”, que são os objetos da filosofia.
Em relação ao conviver, é importante entender a diferença entre solidão e isolamento. A solidão é necessária e saudável, enquanto o isolamento é ruim e está relacionado à falta de autoconhecimento e diálogo interno. O isolamento não tem nada a ver com a quantidade de pessoas ao redor, mas sim com o quanto você está desacompanhado de si mesmo.
Para quebrar a solidão negativa, é preciso estabelecer um diálogo interno e conhecer a si mesmo. A solidão positiva, por outro lado, é recomendada por muitas escolas de filosofia e pode ser uma forma de se reconectar consigo mesmo.
Para os filósofos Pitágoras e Platão, o diálogo com a própria alma era fundamental. Ter um tempo para si mesmo é fundamental para se encontrar e estabelecer uma relação de solidão saudável. É preciso dialogar consigo mesmo, sem ser superficial, para que haja algo para compartilhar com os outros.
Platão, em seus Divinos Ócios, nos ensina a marcar um encontro com nossa alma. Já Pitágoras, em seu Museu, nos diz para fazer um diário todos os dias. Ambos defendem a necessidade de dialogarmos conosco mesmos, buscando nosso próprio encontro, sem preocupações externas, algo que Platão chama de “sadia solidão”.
Atualmente, vivemos em um mundo materialista, em que as pessoas se tornaram objetos. É necessário ter uma identidade e uma essência que precisam ser ouvidas e manifestadas. Quanto mais dentro de si mesmo, mais é possível estar com o outro, pois a superficialidade não permite o desenvolvimento de sentimentos profundos.
É preciso partir do próprio coração para chegar ao coração das coisas. Quanto mais conectados com nós mesmos, conseguimos estar mais presentes nas relações com os outros. Se não estivermos conectados conosco mesmos, não conseguiremos estabelecer conexões verdadeiras com os outros, o que os torna apenas úteis e nos leva a manipulá-los.
Ação virtuosa
Flávio Arriano foi discípulo de Epicteto. Seus livros são baseados nos ensinamentos dele. Primeiro, escreveu a obra “Discursos”. Na sequência, quis fazer uma síntese e escreveu o “Manual de Epicteto”, também conhecido como “Enchiridion”. Ele foi traduzido por uma escritora norte-americana, Sharon Lebell, e ganhou o nome “A Arte de Viver” .
O livro contém máximas que podem ser lidas aleatoriamente, e são dotadas de muita beleza. Como “A felicidade é um verbo. É o desempenho contínuo, dinâmico e permanente de atos de valor. Nossa vida é construída a cada momento, e tem utilidade para nós e para as pessoas que tocamos”.
Aqui vemos que a felicidade é definida como um verbo, não como substantivo. Não é algo pronto que você espera encontrar em algum lugar ou alguém lhe entregar.
Para alcançar a felicidade é necessário ação virtuosa. É fundamental ter um tempo para si mesmo, a fim de construir uma vida útil para si e para as pessoas que nos cercam. Todo ser humano foi feito para ser feliz, de acordo com a sua própria identidade.
Por isso, é imprescindível se conhecer. Ninguém pode ser feliz fazendo aquilo que não lhe toca no ponto mais profundo da alma.
Cada ser vivo tem uma natureza e uma vocação específica. Assim como o maior propósito para uma planta é fazer fotossíntese; para o animal, sobreviver e perpetuar a espécie; para o homem, deve ser buscar a sabedoria, os valores e as virtudes para realizar-se plenamente como ser humano. Assim, a felicidade não é um fim em si mesmo, mas um subproduto da busca pela excelência moral.
O ser humano se realiza quando age de acordo com sua natureza e sua vocação, quando exerce os valores e virtudes que o tornam um ser humano de verdade. Essa realização é uma conquista contínua de atos de valor e virtude. Não é algo que se conquista com um único esforço, mas que se constrói a cada momento.
Epicteto nos ensina que a felicidade não deve ser buscada como um objetivo em si mesmo, mas como um subproduto da busca pelos valores e virtudes que nos tornam verdadeiramente humanos. Buscar a felicidade a qualquer preço pode nos levar a agir de forma desumana, prejudicando os outros e perdendo nossa própria dignidade e honra.
Somar na vida das pessoas
A vida humana tem um propósito e uma utilidade, e cabe a cada um de nós buscar seu lugar no universo, realizando-se como ser humano e somando para a vida das pessoas que nos cercam. Como disse Cícero, “Certifica-te de que és um fator de soma na vida das pessoas de que participas”.
Um bom resumo é fundamental para a nossa vida, afinal, no final dela, vamos ter que sintetizar tudo que aprendemos, ensinamos e realizamos. Por isso, é importante ter foco em tudo o que fazemos é buscar entender o que aprendemos, o que foi dito ou lido. Quando nos falta esse foco, ficamos dispersos e não conseguimos ver o coração das coisas.
Epicteto acreditava que o homem precisava passar por uma trajetória que vai da ignorância à sabedoria para ser feliz. Filosofia significa amor à sabedoria, e ela nos ajuda a percorrer esse caminho. Todos os seres são felizes quando vão em direção ao seu ideal, aquilo que lhes justifica no mundo.
Algumas pessoas podem questionar a importância da filosofia, mas ela é fundamental para a vida, pois é a parceira inexorável que nos ajuda a caminhar para a sabedoria. Fazer um curso de filosofia pode nos ajudar a percorrer esse caminho de forma mais consciente e menos dolorosa, mas a obrigação de caminhar para a sabedoria é de todos, com ou sem curso
A filosofia é a busca pelo aperfeiçoamento e não pela perfeição. Não podemos desistir de nós mesmos, pois estamos aqui para isso.
A fraternidade é uma das virtudes principais da filosofia, e é importante saber que podemos fazer a diferença na vida das pessoas de forma positiva. Acerca da fidelidade, Epicteto diz: “Fidelidade é atitude correta. É crer na vida como um todo ordenado, segundo Leis. É não querer controlar o que não depende de nós. A fidelidade é o antídoto da amargura e da perplexidade”.
Crendo na fidelidade entendemos que a vida não é caos, é cosmos. Por mais aleatórias que algumas coisas ou acontecimentos possam parecer, temos que crer que tudo está ordenado e tem um propósito de ser da forma que é.
Mesmo que sejam provas da vida, nós crescemos e evoluímos com elas. Se algo acontece conosco, é porque precisamos viver essa experiência. Não existe caos, apenas um caminho para nosso desenvolvimento através da superação das provas.
Segundo Epicteto, a vida é uma escola na qual todos devem aprender. E essa escola não seria efetiva se não tivesse dificuldades, problemas e obstáculos. É por meio dessas dificuldades que aprendemos, crescemos e nos tornamos mais fortes. Portanto, devemos aceitar as dificuldades como oportunidades de aprendizado e crescimento e não reclamar ou nos desesperar diante delas.
Foco no que está sob nosso controle
Muitas pessoas se interessam em definir sua personalidade, seja através de horóscopos, fisionomia ou outras formas de classificação. No entanto, é importante lembrar que somos seres humanos e que nossa vontade pode nos levar a lugares diferentes do que a astrologia ou outras classificações indicam.
Uma das principais ideias de Epicteto é a distinção entre o que está sob nosso controle e o que não está. O que está sob nosso controle são nossas escolhas, nossas atitudes, nossos pensamentos e nossas emoções. O que não está sob nosso controle são as circunstâncias externas, as ações dos outros e até mesmo nosso próprio corpo. Devemos focar nossa energia e atenção no que está sob nosso controle e não nos preocuparmos com o que não podemos mudar.
Além disso, Epicteto acreditava na importância da virtude, que ele define como agir com sabedoria, coragem, justiça e autocontrole. Devemos sempre buscar agir com virtude em todas as situações e sermos honestos, justos e bondosos uns com os outros.
Outra ideia importante de Epicteto é a aceitação da morte e da impermanência da vida. Ele acreditava que a morte não era algo a ser temido, mas sim uma parte natural da vida. Devemos aceitar que tudo é impermanente e aproveitar o momento presente ao máximo.
Autoconhecimento
A arte de viver, segundo Epicteto, não é algo que possa ser aprendido da noite para o dia. Requer prática constante, reflexão, autoconhecimento e disciplina. Mas, ao seguir seus ensinamentos, podemos viver uma vida mais tranquila, virtuosa e feliz, independentemente das dificuldades que possamos enfrentar.
Uma das práticas mais importantes do estoicismo é o autoconhecimento que leva à autodeterminação. Os estoicos acreditam que é essencial conhecer a si mesmo para alcançar a virtude e a felicidade. Eles também acreditam que é possível construir a si mesmo e moldar sua própria vida. O antigo ditado “conhece-te a ti mesmo” é a base dessa crença.
Outra prática estoica importante é o uso da imaginação. Os estoicos acreditam que é importante escolher conscientemente um modelo de vida para seguir, em vez de ser influenciado pelo que a sociedade valoriza.
A imaginação é usada para criar um modelo valioso a ser seguido, que pode ajudar a construir uma vida mais significativa. Para definir a pessoa que se quer ser, é preciso imaginar e imitar um modelo valioso.
As sementes de grandeza em nós precisam de uma imagem para se focalizarem e germinarem. Se não construirmos conscientemente aonde queremos chegar, a sociedade infiltrará um modelo através da fantasia, e em pouco tempo estaremos seguindo um modelo social que nem sempre é aquilo que gostaríamos de ser.
Conhecer a si mesmo e dominar-se é a continuidade da máxima de Delfos. Isso significa transformar-se, purificar e elevar a consciência até o ápice da condição humana, que é o humanismo. Definir claramente a pessoa que queremos ser e imitar um modelo valioso são duas práticas importantes para alcançar essa transformação.
Inspiração nos sábios
Amar a sabedoria é muito mais do que uma frase bonita. É preciso refletir sobre a sabedoria ao longo da história, sobre os sábios que a humanidade teve e construir nosso próprio modelo. É importante ter um modelo valioso e concreto em mente para nos moldar. Para isso, podemos buscar inspiração em livros que falam da vida de um sábio, por exemplo.
A imaginação e a inspiração são fundamentais para moldar a si mesmo. É como um artista que olha para o modelo e esculpe a pedra. Se não fizermos isso, inconscientemente estaremos modelando a nós mesmos segundo um padrão imposto pelo coletivo, e nem sempre isso é bom.
Os estoicos enfatizam a importância de viver de acordo com os princípios e valores que se acredita, em vez de ser influenciado por pressões externas. Eles acreditam que é possível ser feliz e virtuoso, independentemente das circunstâncias externas.
O estoico Sêneca escreveu: “A felicidade é alcançada quando o que você pensa, o que você diz e o que você faz estão em harmonia”.
A filosofia é uma busca que exige coragem. Ela faz a exposição das premissas falsas que moldam nossas vidas e nos levam ao mal. É preciso ser corajoso para assumir essas premissas e encarar a verdade.
Muitas vezes, a filosofia nos mostra que somos invejosos, competitivos, fracos e covardes. É doloroso reconhecer essas falhas em nós mesmos, mas é preciso para que possamos nos transformar. Sem constatação, não há possibilidade de mudança.
A filosofia nos ajuda a enxergar nossas metas de vida e o que nos impede de alcançá-las. O mal é subproduto da negligência, preguiça e distração em relação a essas metas. A felicidade, por outro lado, nasce do empenho em nosso aprimoramento pessoal.
Para se aprimorar, é preciso assumir responsabilidade por nossas ações e buscar modelos valiosos que nos inspirem. Quando conseguimos responder à vida como seres humanos, merecemos o sono dos justos. Isso significa que hoje encaramos a nossa batalha e ganhamos o dia.