Música
Conheça Headie One, cara do drill britânico que escolheu o trap brasileiro para novo projeto

Ele mal pousou no Brasil e já sentia a energia diferente no ar. Headie One, de 31 anos, chegou ao Brasil em meio a um novo capítulo de sua carreira, um momento marcado por intercâmbios culturais e pela busca de novas sonoridades. Maior nome do drill britânico hoje, o rapper de Tottenham — o mesmo bairro londrino que revelou Adele e Skepta — desembarcou no país não apenas para conhecer fãs, mas para se trancar em estúdio com alguns dos principais artistas da cena trap nacional.
A ideia é simples: se reunir com Papatinho, Orochi, TZ da Coronel, Tokio DK e Major RD para criar um projeto inédito, uma conexão entre Londres e Rio. E, em entrevista exclusiva à Rolling Stone Brasil, Headie One explicou o motivo:
“Eu gosto da emoção por trás disso. Eu gosto da cultura no Brasil. Eu queria vir e sentir o ambiente e fazer o mesmo musicalmente também”, diz o rapper.
Para o artista, essa viagem representa não só uma aventura pessoal, mas um símbolo de como o drill — um subgênero do rap forjado nas ruas de Londres — já ganhou o mundo e busca novas fronteiras sonoras. Mas vamos dar alguns passos para trás…
Das ruas de Tottenham ao topo das paradas
Nascido Irving Adjei em 1994, Headie One cresceu em Tottenham, distrito no norte de Londres conhecido tanto pela efervescência cultural quanto pelos desafios sociais. A mesma Tottenham que presenciou grandes nomes do rap e grime emergirem — Skepta, Chip e outros — agora vê em Headie One seu novo orgulho local.
“Aquele lugar… influencia toda a minha música porque é tipo toda a minha criação”, reflete Headie, ao lembrar a importância do bairro em sua formação artística. Desde adolescente, ele rimava sobre a vida no conjunto habitacional Broadwater Farm, traduzindo em versos a realidade dura das ruas.
Foi nesse cenário que o drill britânico tomou forma na metade da década de 2010 — um estilo de rap sombrio e pesado, importado do sul de Chicago e adaptado aos sotaques e batidas do Reino Unido. Lançando músicas de forma independente e com sua crew OFB, ele ganhou notoriedade no underground com faixas como “Know Better” (2018), que o tornaram um dos protagonistas dessa cena emergente.
Em janeiro de 2019, Headie conquistou seu primeiro Top 10 no Reino Unido com “18Hunna”, parceria com Dave que entrou direto no sexto lugar das paradas. Era o indício de que o drill havia chegado de vez ao mainstream britânico.
O ápice veio quando Headie One lançou Edna (2020), seu aguardado álbum de estreia. Batizado em homenagem à sua mãe (falecida quando ele era criança), Edna estreou no topo da parada de álbuns do Reino Unido, um feito histórico: foi o primeiro álbum de drill a alcançar o número um nas paradas britânicas. Ainda por cima, três músicas do disco entraram no Top 40 de singles naquela semana (entre elas, “Ain’t It Different”, colaboração com Stormzy e AJ Tracey). Perguntado sobre a importância disso, Irving respondeu: “Foi como um momento lindo porque… a história por trás disso e tudo mais, e foi simplesmente motivação para continuar”. Ele ainda completa: “Fez com que todo o trabalho duro… valesse a pena”.
A consagração comercial veio acompanhada de elogios na imprensa — o jornal The Times o coroou como “astro emergente do drill” e críticos celebraram como Headie levou o som das ruas para um álbum coeso e pessoal.
Grandes parcerias
O sucesso de Edna também rompeu fronteiras e chamou atenção de ícones do hip hop mundial. Ainda em 2020, Drake — artista que dispensa apresentações — se declarou fã e chegou a afirmar que Headie One era “o melhor artista de drill do mundo”. Para o britânico que cresceu ouvindo Drake, a validação do ídolo foi surreal. Mesmo assim, Headie procura manter os pés no chão apesar do hype.
“Eu levo isso com um grão de sal. Eu foco no ofício… e continuo seguindo em frente”, conta sobre como lida com o reconhecimento, preferindo canalizar a pressão em motivação para evoluir artisticamente.
A admiração de Drake não ficou só nas palavras — pouco depois, os dois uniram forças na faixa “Only You Freestyle”, um som de drill lançado de surpresa em julho de 2020. No verso, Drake arrisca gírias britânicas enquanto Headie devolve fogo com seu flow afiado, num encontro que viralizou nas duas pontas do Atlântico. A parceria atingiu o quinto lugar nas paradas do Reino Unido e comprovou o poder global do drill de Tottenham.
Mas se Drake ofereceu projeção internacional, foi colaborando com artistas do próprio Reino Unido que Headie One consolidou sua versatilidade. O rapper já dividiu microfone com gigantes como Stormzy, AJ Tracey e Skepta (seu conterrâneo de Tottenham, com quem gravou “Back to Basics”, que fará show no Brasil no festival CENA2K 2025). Em seu repertório, porém, Headie destaca uma colaboração inusitada como a mais marcante: o cantor de voz etérea Sampha. Juntos, eles gravaram faixas cheias de sentimento — caso de “Sampha’s Plea” no projeto GANG e outras — explorando territórios além do rap.
“Minha colaboração favorita provavelmente é com o Sampha. Sabe, o Sampha tem uma voz muito incrível”, conta Headie, elogiando o colega. “Toda vez que trabalho com ele é muito emotivo e ele conta uma boa história, então todas as coisas que fiz com o Sampha… eu gosto, algumas das minhas favoritas”. Trabalhar com Sampha também o tirou da zona de conforto criativa: “E também foi o mais desafiador, porque nós realmente tivemos que entrar no conceito da música e da narrativa”, relembra sobre o processo detalhista ao lado do cantor.
Entre outras colaborações, Headie ainda gravou com nomes como Future (a faixa “Hear No Evil”) e Burna Boy — este último participa da edição deluxe de Edna, na música “Siberia”.
Versátil, Headie transita bem tanto ao lado de lendas do grime britânico quanto com hitmakers globais do R&B e afrobeats. Cada parceria adiciona um elemento novo ao seu som — e o credencia como um artista apto a dialogar com diferentes cenas.
Do underground ao mainstream: evolução e maturidade artística
Em pouco mais de uma década, Headie One viveu a trajetória completa do drill: do nicho marginal ao topo das paradas, e agora rumo à experimentação sem barreiras. Ele próprio reconhece o quanto seu estilo evoluiu desde os primeiros sons crus até as produções atuais mais sofisticadas.
“Quando comecei há alguns anos, o drill que eu fazia era muito cru e unidimensional… letras impactantes e um tipo particular de batidas”, recorda sobre os primórdios do gênero. “Então, conforme foi ficando maior, temos mais elementos musicais. Temos algumas batidas de drill agora em que eles tocam instrumentos ao vivo… está começando a parecer mais musical em vez de apenas cru”. Essa transição fica clara ao comparar os primeiros hits de Headie — dominados por bases sombrias e rimas sobre a realidade das ruas — com as faixas mais recentes, que trazem arranjos melódicos e letras introspectivas.
Após Edna, o rapper manteve a produtividade alta, lançando uma sequência de projetos e singles que ampliam os horizontes do drill. Em 2021 veio a mixtape Too Loyal For My Own Good, seguida em 2022 por No Borders: European Collaboration Project (na qual ele explorou cenas de diversos países da Europa). Já 2023 o viu atingir a marca de um bilhão de streams no Reino Unido, conquistando um prêmio da indústria fonográfica britânica.
Em 2024, Headie lançou um novo álbum, The Last One, mostrando um artista mais maduro e reflexivo. E em 2025, engatou uma série de singles: “It Is What It Is”, “Balanced” e “Big Darg Status” chegaram como pancadas seguidas, reafirmando seu domínio.
Um fator decisivo nesse amadurecimento artístico, segundo ele mesmo, foi a parceria com produtores visionários. Headie One entende que, para levar o drill a novos territórios, era preciso abrir a mente para além das batidas tradicionais. Por isso, ele não hesitou em colaborar com gente como Fred Again…, produtor vanguardista da música eletrônica e pop. Juntos, lançaram em 2020 o experimental GANG, um projeto que misturou drill com texturas atmosféricas e surpreendeu críticos. Para ele, essas mentes por trás das batidas ajudam a expandir seu leque musical:
“É importante porque… às vezes é bom juntar algumas mentes e obter outras ideias do que outras pessoas podem ouvir. Isso pode ajudar a aprimorar o que você está fazendo como artista”, reflete o rapper. Cada vez trabalhando e conhecendo mais gente, Headie One conseguiu levar seu flow inconfundível para paisagens sonoras novas, incorporando elementos de trap, grime, R&B e até ritmos latinos, sem abandonar a essência que o tornou famoso.
Próxima parada: América Latina
Chegamos em 2025. Headie One, procurando novas sonoridades, encontrou inspiração a milhares de quilômetros de casa, em um universo aparentemente distante: o trap brasileiro. Fascinado pela musicalidade local, Headie se jogou de cabeça nas sessões com Papatinho — produtor carioca conhecido por mesclar rap e funk — e alguns dos trappers mais quentes do país, como Orochi (estrela do rap carioca) e TZ da Coronel (revelação do trap de SP).
Perguntado sobre o que chamou sua atenção no som que vem do Brasil, ele foi direto: “Eu simplesmente gosto da emoção por trás disso”, diz ele sobre o trap e funk nacional. “A vibe que eu recebo daqui [é] muito apaixonada e emotiva dentro da música e das melodias”. Headie destaca que, no Brasil, as batidas de trap carregam melodias marcantes e emotividade, algo que o atrai instantaneamente.
“Na verdade, eu sou fã de música melódica… sou fã de melodias e música emotiva, então é isso que me faz gravitar em direção a isso”, explica, apontando semelhanças entre a veia melódica brasileira e suas próprias preferências musicais. Não por acaso, ele revela acompanhar até nomes do pop e funk nacional como Anitta, Ludmilla e até L7nnon.
No estúdio, a troca pode ser enriquecedora dos dois lados. Headie ficou impressionado com o método de Papatinho, que traz instrumentos para dentro da produção de beat. “Eu gosto do que ele faz… quando estou no estúdio ele toca algumas das coisas ao vivo… acho muito diferente do que os outros fazem”, conta o britânico sobre o processo com o produtor carioca.
A conexão com a América do Sul não termina no Brasil. Depois do Rio, Headie One segue para a Argentina, onde pretende dar continuidade a esse movimento de colaborações intercontinentais. Nos últimos anos, o rapper vinha acompanhando à distância o surgimento de artistas de drill e trap em diversos países — e agora finalmente pôde vivenciar isso de perto.
“Nos últimos anos, tenho me conectado com vários artistas diferentes… estou simplesmente fascinado por isso e quero apenas explorar mais”, conta, empolgado com a perspectiva de trabalhar com talentos da América do Sul. Headie, que adora viajar, enxerga nesses intercâmbios uma via de mão dupla: enquanto leva sua experiência e estilo para fora da Inglaterra, ele também aprende e evolui absorvendo referências locais.
O futuro do drill
O movimento de Headie One reflete um momento maior da música. Pouco mais de dez anos após nascer nos guetos de Chicago e florescer nas ruas de Londres, o drill se tornou um fenômeno global. Hoje o gênero já é mainstream — das paradas britânicas aos virais no TikTok — e ganhou variantes em todos os cantos, de Nova York a Paris, de Gana a São Paulo. Headie vê um futuro cada vez mais diverso para o estilo que o consagrou: “A música drill se tornou muito artística. Temos muito mais narrativas no drill, e as pessoas estão misturando com melodias… agora pode se tornar ainda maior e global e se fundir com outros sons como pop, trap e R&B… está cruzando fronteiras entre outros sons e gêneros”, analisa. Essa fusão de elementos, que há poucos anos seria impensável para um subgênero antes associado apenas a violência e crudidade, hoje é realidade — e Headie One é um dos artistas na linha de frente dessa evolução.
Do alto de seus 31 anos, o rapper de Tottenham já viveu de tudo e agora ele abraça o papel de embaixador de um novo drill — mais melódico, versátil e internacional. Representando uma geração de artistas que não tem medo de derrubar barreiras culturais, ele mostra que a música sempre encontra caminhos para unir mundos. E assim, de Londres para o mundo — passando agora pelo Brasil — Headie One segue escrevendo o próximo capítulo do drill, com batidas que ecoam globalmente e experiências que enriquecem sua arte. Em sua jornada, o peso das ruas londrinas anda de mãos dadas com a calorosa vibração brasileira, provando que o futuro do hip hop é colaborativo, sem fronteiras e cheio de novas possibilidades.
“Obrigado por me receberem. Eu amo a cultura… estive no Rio, estou na América do Sul agora e estou simplesmente absorvendo a vibe das cidades. Quero voltar aqui muito mais vezes e continuar a trabalhar e produzir sons que todos nós possamos explorar juntos e crescer juntos”, finalizou o artista.
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