Música
A única música do Secos & Molhados que confundiu Ney Matogrosso ao passar da censura

Em 1973, quando o Secos & Molhados estourou com seu álbum de estreia homônimo, o Brasil ainda vivia os anos mais duros da ditatura militar. Havia censura, perseguições políticas e outras atrocidades cometidas pelo regime vigente.
Ney Matogrosso, por exemplo, conta que até hoje não entende como uma das músicas da banda não foi censurada. Trata-se de “Primavera nos Dentes”, composta por João Ricardo em cima de uma poesia de seu pai, João Apolinário, que depois se tornaria empresário do trio — completo por Gerson Conrad.
De acordo com Ney, nem todas as canções do grupo desafiavam o poder de veto da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), órgão que fiscalizava o conteúdo de obras culturais e artísticas. Mas essa, em especial, ainda o impressiona por não ter sido vetada.
Em entrevista ao programa Conversa com Bial, da Rede Globo, transcrita pela Rolling Stone Brasil, o músico comentou:
“Para mim, a única que eu não entendi nunca como é que passou foi ‘Primavera nos Dentes’. Eu não entendo como a censura liberou essa música. Olha a letra.”
A letra de “Primavera nos Dentes”, do Secos & Molhados
“Primavera nos Dentes” tem uma letra breve, mas contundente sobre resistir ao sistema autoritário, seja no Brasil ou em Portugal, onde João Apolinário lutou contra o fascismo. A canção até hoje é vista como um hino à liberdade individual e contra a repressão.
Veja a letra:
“Quem tem consciência para ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa contra a mola que resiste
Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade, decepado
Entre os dentes segura a primavera”
A hipótese de Ney Matogrosso
Ney Matogrosso considera a possibilidade de os censores não terem entendido o conteúdo lírico da música:
“Não sei como passou. Podem não ter entendido. Como justifica essa música ter sido liberada?”
Ele acrescenta, referindo-se a outra música composta por João Ricardo, desta vez baseado em um poema do poeta negro Solano Trindade:
“‘Tem Gente com Fome’, que é dessa época, eu só fui conseguir cantar em 1985.”
Em 1985, após 21 anos de ditatura militar, o Brasil passou por um processo de redemocratização e voltou ao Estado Democrático de Direito com a posse do presidente civil José Sarney.
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