Celebridade
Fabiula Nascimento fala dos desafios da mulher moderna: ‘Poder de transformação’

Vivendo primeira protagonista no cinema, Fabiula Nascimento detalha suas dores, risos e reflexões em entrevista à Revista CARAS
Vivendo sua primeira protagonista no cinema, Fabiula Nascimento (46) chega às telonas com um papel que escancara a realidade de muitas: Bia, de Uma Mulher sem Filtro, carrega o mundo nas costas, até não aguentar mais e explodir.
Com humor afiado, o filme, que provoca reflexões sobre limites e autocuidado, acaba de chegar às telonas e, dias antes da estreia, a atriz reservou tempo na agenda para ter um papo sincero com CARAS, no Hotel Nacional, no Rio.
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Casada com o ator Emilio Dantas (42) —com quem também vive um casal no longa— e mãe dos gêmeos Roque e Raul (3), ela revela como faz para não cair na mesma situação da personagem, reflete sobre o lugar da mulher na sociedade e torce para que a produção divirta, mas que também sirva como um empurrãozinho para muita gente. “A arte tem esse poder de transformação“, afirma a artista.
Demorou para chegar o protagonismo no cinema?
Acho que demorou um pouco. Mas as coisas acontecem quando têm que acontecer. Acredito muito nisso. Gosto de tudo o que fiz. Não tenho nenhum trabalho que olhe e fale: ‘Ai, nossa…’ Mas acho que podia ter vindo antes.
O filme é uma comédia, mas também faz a gente pensar…
É muito acúmulo naquela mulher e ela dá essa rompida e sai sem filtro por aí. Mas ela também se pega errada, porque não é nem lá nem cá. Não adianta você sair detonando tudo, porque as coisas, as palavras, têm consequências. Mas é um chefe escroto, um marido imprestável, um enteado encostado, uma irmã abusiva, é você se responsabilizar financeiramente, emocionalmente pela vida, pela casa, pelos seus. Uma jovem que chega tomando um cargo que ela sempre sonhou. É desgastante, né? Gravando, eu sempre pensava naquele filme Um Dia de Fúria, mas pensando que não podia chegar a esse lugar. O humor entra em diversas situações. Você vai rindo porque vai se incomodando junto com ela. A gente fez um filme divertido, que faz refletir e que emociona em algum momento, porque rola uma identificação.
Rola mesmo. Assistindo pensei que conheço várias Bias…
Eu acho que todas somos Bia em algum lugar, no trabalho, em casa… Bias e Bios, porque isso acontece com todo mundo, essas manipulações, esses excessos, essas puxadas de tapete. Essa coisa da família, porque a gente sempre fala que família é o máximo, mas tem gente que não é muito legal, a gente sabe. Tem muita Bia por aí.
E na correria do dia a dia, a gente acaba normalizando coisas que não são legais…
A gente normaliza, mas é porque a gente é muito incrível. Tanto que o patriarcado fez o que fez com a gente, porque nós somos incríveis. Só que isso começou a ficar nesse lugar: a gente faz tudo, deixa que eu faço, eu faço melhor que a pessoa. A gente também tem um pouco de culpa, de começar a puxar as responsabilidades, em vez de deixar o circo pegar fogo. O homem quando sai de casa e vai morar sozinho já tem alguém que vai lavar a roupa, cuidar da casa pra ele e aí, quando ele sai dessa situação, ele já casou com uma mulher que vai virar a pessoa que faz as coisas para ele. A gente tem que mudar isso na raiz.
Você faz isso?
Eu tenho dois meninos, eles têm 3 anos e já sabem onde fica a roupa suja, sabem trocar a própria roupa, sabem limpar, sabem colocar as coisas no lugar. Eles são supergentis, eles se viram. Claro que eles são crianças, mas eles entendem isso porque na minha casa é naturalizado. O Emilio faz tudo, os meninos fazem tudo e eu faço tudo. A gente tem que, cada vez mais, ir para esse lugar, tem que mudar na raiz para não se acostumar a fazer os deveres de todo mundo. Mas a gente tem esse lugar esquisito de puxar as responsabilidades para a gente, porque, às vezes, o controle pode te atrapalhar também. Tipo, comprou a banana, mas está passada. A gente tem que começar a falar assim: ‘Pois é, a banana está passada’. Em vez de ficar tentando resolver a banana passada. A banana passada serve para tudo. Tenho o meu parceiro, que é maravilhoso, mas tem um monte de defeitos como eu também tenho. Mas nesses lugares de equalizar a demanda, principalmente com as crianças, é o lugar onde ele entra forte. A gente é de igual para igual ali. Eu não posso ficar com essa responsabilidade. Mas, mesmo assim, às vezes, a vacina eu é que sei que tem que dar.
O que faz para não deixar chegar a esse lugar da Bia?
Sou bem sem filtro. Tudo que me incomoda eu falo. Acho que o mal do século é as pessoas não se comunicarem. Se comuniquem no seu relacionamento, no seu trabalho. Não tenham medo. Porque tem essa coisa amedrontadora de ‘Cuidado, vai perder o emprego’. Às vezes, tem coisa melhor te esperando lá fora, sabe? Nesses 30 anos de carreira, sempre fico olhando o quanto caminhei dentro do que eu acredito. Eu nunca me submeti a nada violento ou submissivo, mas isso vem de uma trajetória de quem é sobrevivente. Durante muitos anos você é sobrevivente, tem que estar à frente de tudo, segurando tudo, tem que se blindar para seguir adiante. Então, qualquer coisa que chegue fora do tom para você é expressando algum tipo de violência. Comigo não. Isso não vai acontecer. Não me pega assim, não gosto assim, não fale comigo assim. Sempre foi muito nesse lugar. Hoje, já não sou mais uma sobrevivente, consigo enxergar as pequenas dores dessas ações no meu passado. E hoje eu não preciso mais disso. Mas a minha sinceridade quando requisitada ou as minhas ações, elas são muito reais. Sou a primeira a falar, com delicadeza, com educação, mas falo. Não tenho problema nenhum em me expressar, em falar o que sinto. Isso é importante. Isso a terapia te dá, a maturidade te dá.
Você é prioridade. Dizer não é dizer sim para você.
Para tudo caminhar bem, você tem que ser a prioridade na sua vida. E esse é o protagonismo que a gente fala, é você ser protagonista da sua vida. Acho que se você está feliz, tudo ao redor também fica. Eu tenho amigos de uma vida inteira que me conhecem, que ficam distantes, mas quando aparecem sabem tudo de mim, sabem quando estou silenciosa. É importante ter essas relações.
Quem via de fora achava a vida da Bia perfeita. Também pensam isso da sua?
Não tem vida perfeita. Sempre vão ter os seus altos e baixos, um dia você está grande, no outro está pequena. A saúde é uma coisa que mexe muito com a gente, que nos desestabiliza totalmente e a gente nunca sabe se pode chegar amanhã ou não. Então, essa coisa de ficar pensando no futuro, essa ansiedade que a gente gera… O tempo de hoje é rápido, fugaz, você não consegue ler um texto inteiro, não consegue prestar atenção no outro. A gente precisa prestar atenção no outro! Às vezes, a pessoa do seu lado está passando por dificuldades e você não percebe.
E é prestar atenção mesmo, porque no filme, quando a Bia desabafa, falam que ela está na TPM. Estão sempre descredibilizando o que a gente sente…
O tempo inteiro. Se pensar, a mulher não pode ter nenhum hobby. O homem joga videogame, bola, coleciona carrinhos, bonecos. A mulher não pode pintar um bobbie goods, ter um bebê reborn que é tachada de maluca. É o tempo inteiro todo mundo querendo massacrar a gente, nem hobby a gente pode ter. ‘Ah, porque levaram o bebê reborn no posto de saúde’. Se aconteceu, deve ter sido um caso, de alguém que realmente está fora da casinha, mas isso reverbera como se todas nós fossemos a um posto de saúde levar a boneca. Esse lugar me incomoda.
Pensando nisso tudo, o filme vai fazer muita gente repensar, mudar de vida…
Tomara! Às vezes, as pessoas precisam só de um empurrãozinho e, muitas vezes, ele vem pela arte. Essa é a loucura do alcance do trabalho. Às vezes, vai mexer com uma pessoa só, mas essa uma pessoa faz uma revolução na própria vida e a gente nem fica sabendo. A arte sempre tem esse poder de transformação.