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Modelo para Moraes, órgão do TSE usou lacunas para censurar

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O modelo de monitoramento que o ministro do STF Alexandre de Moraes cita como referência para a internet do país tem raízes em programas do no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cujo objetivo era combater a “desinformação” nas eleições.

A definição, atribuições e modo de agir destes núcleos não são muito claros, o que abre lacunas para censura e — incoerentemente — a falta de clareza de informações.

Na votação da mudança do artigo 19 do Marco Civil da Internet, em junho, o ministro sugeriu a criação de um órgão que funcione como um “centro integrado de enfrentamento à desinformação”.  

A estrutura burocrática teria uma composição mista, formada por sociedade civil e poder público e que incluiria a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel): “Me parece aqui que deveríamos verificar um órgão mais plural. Também entendo que não deva ser um órgão não só público e nem só privado, mas com participação de diversos segmentos”.

O ministro tem sustentado maior controle no ambiente digital. Das plataformas, argumenta que elas devem seguir as leis do Brasil, respeitar as regras impostas aos veículos de imprensa e responsabilização pelas postagens. Aos usuários, defende rigor nos conteúdos. 

A questão é que os modelos que ele criou ou ampliou quando presidente do TSE não são os melhores exemplos de equilíbrio de regulação. A fiscalização por vezes flertou com a censura. Moraes foi o responsável por tornar a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE em uma central de investigação com viés policial.  

É justamente neste órgão que o seu ex-assessor Eduardo Tagliaferro afirma ter recebido ordens extraoficiais a pedido do ministro para monitorar redes sociais e identificar postagens de alvos, como comentaristas de direita e apoiadores de Jair Bolsonaro.  

Estes posts seriam usados para embasar investigações das quais Moraes era relator no STF e sustentar decisões relacionadas ao bloqueio de perfis nas redes sociais.

Uso excessivo de dados no centro de “desinformação” 

O Programa de Enfrentamento à Desinformação foi lançado em 2019, na gestão de Luís Roberto Barroso na Presidência do TSE. O objetivo era reduzir a interferência de campanhas difamatórias nas eleições de 2020. Em 2021, porém, o núcleo ganhou caráter permanente e cresceu dali em diante. Em 2022, sob o comando de Edson Fachin, surgiu a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED).

Com a chegada do ministro Alexandre de Moraes à presidência do TSE, o AEED ampliou o seu escopo investigativo, com foco na análise e no rastreamento de conteúdos considerados falsos — aproximando-se de uma atuação com viés policial.  

A justificativa é combater fake news relacionadas ao processo eleitoral, em especial os ataques ao sistema eletrônico de votação brasileiro. Denúncias do ex-chefe da assessoria, Eduardo Tagliaferro, no entanto, vieram à tona recentemente alegando que o ministro usava a estrutura do TSE, como presidente, para monitorar críticos do governo. 

Mais do que um simples acompanhamento de postagens, as mensagens eram usadas indevidamente em relatórios pelo próprio Moraes para basear suas decisões no Supremo que determinaram bloqueios de perfis em redes sociais. Tagliaferro disse que atuava em coordenação com o juiz auxiliar de Moraes, Airton Vieira. 

As revelações se conectam às investigações jornalísticas conhecidas como Vaza Toga, que sugerem a existência de um “gabinete do ódio” dentro do STF e do TSE. Em um grupo de WhatsApp, juízes auxiliares e servidores, inclusive Tagliaferro, monitoravam conservadores e críticos do governo.  

Em nota, em agosto do ano passado, o ministro negou que houvesse irregularidades nos atos realizados, afirmando que todos os procedimentos “foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF”. 

O que faz a Assessoria Especial, afinal? 

A Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação foi instituída sem que se estabelecesse quais as suas competências. Lacuna esta que dá margem para censura. 

Diferentemente do Ciedde (abaixo), que tem suas atribuições mais definidas, a Assessoria Especial surgiu de uma troca de nomes, sem especificação de função. No dia 22 de fevereiro de 2022 Fachin definiu, por meio da resolução n.º 23.683, que a Assessoria Especial, da Secretaria-Geral da Presidência, passaria a ser a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação. 

Como as incumbências da “Assessoria Especial” não constam no documento, verificamos a sua fonte, ou seja, Assessoria Especial, da Secretaria-Geral da Presidência, criada em 19 de agosto de 1998, por meio da resolução n.º 20.323. Apesar da mudança de nome, os encargos se destoam entre si.

A assessoria original estabelecia: informar processos sobre matéria administrativa dos Tribunais Regionais Eleitorais, elaborar resoluções e instruções regulamentadoras das eleições e emitir parecer e prestar informações nas consultas sobre “assuntos relacionados com a sua área de competência, visando resguardar a coerência e uniformidade das decisões do Tribunal”. 

Em outubro de 2022, quando Moraes já estava na presidência do TSE, uma nova resolução foi publicada para detalhar sobre o enfrentamento em geral à desinformação que atinja a integridade do processo eleitoral. A Assessoria Especial não é citada, tampouco o que e como realiza o combate às fake news.

Centro integrado: o “Bope” do TSE  

Mesmo com a existência da AEED, em 2024, Moraes criou o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (Ciedde). Com a premissa de também combater deepfakes e desinformação no período eleitoral, a diferença deste novo departamento é a atuação mais robusta e coordenada com vários órgãos. 

Durante a cerimônia de inauguração, em agosto do ano passado, presidente da Anatel, Carlos Baigorri, afirmou que a agência irá usar “seu poder de polícia” para retirar do ar todos os sites e aplicativos que estejam atentando contra a democracia por meio da desinformação e do uso da inteligência artificial para deepfakes.

De acordo com o vídeo do TSE no Youtube, se forem verificados indícios de crime (que não são especificados na gravação) numa postagem, o Ministério Público e Polícia Federal são acionados. A denúncia passa então por um cruzamento de dados para verificar se o assunto já foi julgado antes pelo TSE e se é restrito a uma localidade.  

“As plataformas de redes sociais são notificadas e devem informar as providências tomadas em até duas horas. Se neste período a plataforma tirar o conteúdo do ar, o processo acaba por aqui e é arquivado. Se a plataforma não responder ou não concordar em retirar o conteúdo do ar, a presidência do TSE pode determinar a remoção se já houver decisão envolvendo os mesmos fatos. Em seguida, os demais integrantes do Ciedde são acionados”, diz o vídeo. 

Presidente da Anatel, Carlos Baigorri, na inauguração do Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE), no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em Brasília (Foto: Luiz Roberto/Secom/TSE)

Segundo a portaria que institui o Ciedde, o centro também coordena a realização de cursos, seminários e estudos e organiza campanhas publicitárias de educação contra a desinformação, discursos de ódio e antidemocráticos e em defesa da Democracia e da Justiça Eleitoral. 

O Centro é composto por representantes da Procuradoria-Geral da República (PGR), Ministério Público Federal (MPF), Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Conselho Federal da OAB (CFOAB) e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), e cooperação técnica com a Polícia Federal (PF) e a Advocacia-Geral da União (AGU). 

Novo grupo com “amigos” dos ministros do STF 

Não bastassem os dois robustos programas de desinformação já instalados no TSE, a atual presidente do órgão e integrante do STF, a ministra Cármen Lúcia, anunciou mais uma ferramenta contra a desinformação eleitoral: o Grupo Consultivo de Trabalho.

Apesar dos resultados minguados da fiscalização nas eleições do ano passado, conforme abaixo, o novo núcleo vai “debater e propor diagnósticos, pesquisas, programas, projetos e campanhas destinadas às medidas para o aperfeiçoamento do sistema de combate à desinformação eleitoral”.  

O grupo é formado por nove integrantes especialistas em Inteligência Artificial, acadêmicos e advogados. Entre eles, estão a filha do ministro Gilmar Mendes, Laura Schertel, o braço direito do ministro Flávio Dino, Marilda Silveira e Estela Aranha, indicada por Lula e assessora do gabinete de Cármen Lúcia.

O que é desinformar, segundo Moraes

Segundo o ministro Moraes, desinformação é “entendida como uma ação comunicativa fraudulenta, baseada na propagação de afirmações falsas ou descontextualizadas com objetivos destrutivos”.  

“Conflita com valores básicos da normativa eleitoral, na medida em que impõe sérios obstáculos à liberdade de escolha dos eleitores e, adicionalmente, à tomada de decisões conscientes”, escreveu ele na resolução 23.714 do TSE, do qual foi relator. 

Segundo ele, a desinformação compromete a normalidade do processo político, dada a intenção deliberada de suprimir a verdade, gerando desconfiança, com consequente perda de credibilidade e fé nas instituições da democracia representativa. 

Monitoramento para eles, influenciadores para nós 

No discurso, todos estes programas de monitoramento se propõem a combater as notícias falsas e desinformação. Mas, diante de uma pena de 14 anos para uma mulher que pichou uma estátua com batom e a anulação de atos de condenados da Lava-Jato, ambas decididas pelo STF, juristas questionam a subjetividade da proposta.

O STF tem um forte discurso de que a regulação da internet é para defender as pessoas e a democracia. Suas ações, no entanto, são contraditórias e parecem válidas só quando convém. Ao mesmo tempo em que defende maior controle do que a população diz, o Supremo, por sua vez, investe em uma narrativa própria e em um monitoramento minucioso em tempo real da sua presença nas redes sociais.  

Desde o ano passado contrata uma empresa para produzir alertas instantâneos sobre as menções ao STF nas plataformas e para a entrega de relatórios analíticos diários e um plano mensal de ação estratégica para a atuação nas redes sociais. O STF afirmou que a contratação não tem qualquer ligação com os processos que tramitam no tribunal, e que a clipagem é um adicional aos serviços que a corte já utiliza. 

Na semana passada, os ministros do STF receberam um grupo de influenciadores digitais “amigáveis” (a maioria de viés de esquerda) e lançaram o pacote de figurinhas de WhatsApp “Democracilover” (palavra adaptada do inglês que significa “amante da democracia”). 

As investidas de comunicação ocorreram no mesmo dia em que uma nova pesquisa do instituto Datafolha mostrou que a avaliação do STF piorou no último ano. 

Ao acelerar a tramitação do 8 de janeiro, o STF envia uma mensagem dúbia à sociedade: os réus já estão condenados antes mesmo do julgamento. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Resultados incompletos

Os resultados do centro de desinformação não são muito palpáveis. Um relatório sobre as eleições de 2024 traz alguns dados genéricos. Nada muito específico de que tipo de publicação gerou alertas, e nem quais ações foram tomadas. 

Segundo o TSE, o sistema está passando por aprimoramentos. Entre 4 de junho e 27 de outubro de 2024, o Sistema de Alertas de Desinformação Eleitoral (SIADE) – ferramenta que recebe os alertas – recebeu 5.250 avisos relativos à desinformação eleitoral. 

Após triagem da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED/TSE), foram arquivados 1.972 alertas que não continham as informações mínimas necessárias para análise ou que estavam fora do escopo do Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação.  

Um total de 1.287 alertas foi encaminhado aos Tribunais Regionais Eleitorais, uma vez que estava diretamente ligado a questões de caráter local.  

Os órgãos públicos parceiros do CIEDDE, cada um dentro de sua esfera de atuação, promoveram diligências em pelo menos 70 apontamentos, totalizando 147 ações.  

“A maioria delas está relacionada à abertura de procedimentos internos, como a instauração de inquéritos policiais e registros em sistemas internos para apuração”, diz o documento. Nem o conteúdo nem o TSE esclarecem do que se trata. 

Um total de 2.127 alertas foram encaminhados às plataformas digitais para análise de conteúdo e possível disparo em massa. A maior parte foi direcionada ao WhatsApp.  

“A assessoria analisou 255 apontamentos que estavam diretamente relacionados a questões nacionais, incluindo ataques ao sistema eleitoral e informações prejudiciais à integridade das eleições. De novo, não há informações sobre o teor destas mensagens nocivas à democracia.  

O enfrentamento da desinformação eleitoral nas eleições municipais de 2024 envolveu um esforço coordenado entre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), órgãos públicos parceiros e plataformas digitais.  

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