Música
Angra inicia hiato após show, apesar dos pesares, de alto nível em SP

A partir de 2026, o público não terá Sepultura, em definitivo, e Angra, temporariamente. São duas das maiores bandas de heavy metal do Brasil — e talvez as únicas que tenham colecionado discos de ouro e ainda arrebatem multidões significativas para seus shows.
As situações, claro, se mostram distintas. O primeiro grupo citado encerrará atividades após a conclusão de uma turnê de despedida, iniciada em 2024. O segundo, também no ano passado, confirmou que entraria em um hiato por tempo indeterminado após promover uma tour que celebra os 20 anos de Temple of Shadows (2004), seu quinto álbum de estúdio e um de seus trabalhos mais emblemáticos.
Há similaridades nessas trajetórias. Tanto Sepultura quanto Angra adquiriram sucesso internacional, mas sofreram com mudanças de formação, receberam contestação de parte do público por isso e, hoje, preservam apenas um integrante original. Ainda assim, resistiram e continuaram suas atividades até onde dava, apertando os botões de “parar” ou “pausar” quando alegam, justamente, estarem em seus melhores momentos.
Rafael Bittencourt, guitarrista e único membro fundador ainda presente no Angra, é um pouco mais direto e sincero ao justificar as ações de interrupção. À Rolling Stone Brasil, o músico, que garantiu a manutenção da formação atual, declarou em tom enigmático: “Vejo que para mudar de patamar — e eu gostaria que o Angra mudasse de patamar, pois a gente tem muito prestígio e respeito de muitas camadas dentro da música, de jornalistas e outros músicos —, acho que precisamos dar uma parada para nos fortalecer. Pensar numa estratégia e se fortalecer ainda mais”.
O que será preciso para mudar de patamar uma banda com mais de três décadas de carreira? Não teremos a resposta agora. Mas o público que foi assistir à apresentação final antes do hiato, no último domingo, 3, no Tokio Marine Hall, em São Paulo, pareceu aprovar o estágio atual do quinteto completo por Fabio Lione (voz), Marcelo Barbosa (guitarra), Felipe Andreoli (baixo) e Bruno Valverde (bateria).
Atração de abertura que fez sentido
Antes de o Angra subir ao palco, o público que aos poucos enchia a casa de eventos na zona sul paulistana pôde conferir apresentações de abertura de Azeroth e Viper. Não foi possível conferir à performance do primeiro grupo, nome forte do power metal argentino, mas este que vos escreve e muitos outros chegaram a tempo para prestigiar o segundo, um dos nomes mais icônicos do heavy metal nacional.
Ter perdido o baixista e vocalista Pit Passarell ano passado para um câncer seria motivo convincente para fazer o Viper, no mínimo, reduzir suas atividades. Felizmente, a peça de reposição encaixou bem tanto musicalmente quanto à história do grupo: Dani Matos, irmão de Andre Matos, saudoso primeiro vocalista tanto da banda de abertura quanto da atração principal.
Em um set de aproximadamente uma hora, ele e os colegas Leandro Caçoilo (voz), Felipe Machado (guitarra), Kiko Shred (guitarra) e Guilherme Martin (bateria) mesclaram clássicos de seu repertório com canções menos populares do passado e faixas de Timeless (2023), seu álbum mais recente. Uma delas, a enérgica “Under the Sun”, abriu o repertório de modo enérgico. Destacaram-se ainda:
- “To Live Again”, prova cabal de que o grupo trazia compositores diferenciados desde sempre;
- “Soldiers of Sunrise”, faixa-título do álbum de estreia de veia tipicamente power metal com show particular de Martin e há muito esquecida dos shows;
- “Dead Light”, representante do álbum Evolution (1992) que evidencia o grande mérito de Caçoilo em também fluir bem ao interpretar canções originalmente cantadas por Pit;
- “The Spreading Soul”, tendo Dani dividindo vocais com Leandro e, ao fundo, uma bela foto de Andre e Pit para homenageá-los;
- As irrefutavelmente clássicas “A Cry from the Edge”, “Rebel Maniac” e “Living for the Night”, esta com participação de Rafael Bittencourt.
A performance de domingo, 3, foi gravada para lançamento posterior como álbum ao vivo. Mesmo com perdas, a vida continua — e o Viper também.
Setlist — Viper
1. Under the Sun
2. To Live Again
3. Dead Light
4. A Cry from the Edge
5. Soldiers of Sunrise
6. Coma Rage
7. The Spreading Soul (dedicada a Pit Passarell and Andre Matos)
8. Timeless
9. Prelude to Oblivion
10. Living for the Night (com Rafael Bittencourt)
11. Rebel Maniac
A despedida (temporária) do Angra
Cerca de 20 minutos após o horário programado — provavelmente fruto dos atrasos das atrações de abertura —, o Angra subiu ao palco do Tokio Marine Hall pela última vez em um bom tempo. Além de executar Temple of Shadows na íntegra, o quinteto selecionou três músicas de álbuns diferentes para abrir e outras cinco para fechar. Foram aproximadamente duas horas e 20 minutos de uma performance tecnicamente impecável, ainda que o som alto e pouco definido e os microfones baixos tenham, por vezes, atrapalhado um pouco.
Das oito faixas que não estão no disco de 2004, cinco são clássicos incontestes da banda brasileira: a abertura “Nothing to Say”, “Rebirth” (com uma das duas participações da talentosa cantora MPB Vanessa Moreno durante a noite), “Angels Cry”, “Carry On” (encerrada após os solos) e “Nova Era”. Oriunda do álbum Rebirth (2001), “Millennium Sun” pareceu ter entrado por simplesmente encaixar-se melhor à voz de Fabio Lione do que opções mais famosas, enquanto “Tide of Changes” é possivelmente a melhor canção do trabalho de inéditas mais recente, Cycles of Pain (2023). Houve ainda espaço para uma homenagem a Ozzy Osbourne — cujo nome também estava estampado na camiseta de Bittencourt — com uma execução de “No More Tears”, responsável por mostrar o quanto é difícil interpretar as composições do saudoso vocalista.
Mas os maiores destaques residiram na performance integral de Temple of Shadows. Seu refinado repertório de onze músicas (além de duas vinhetas) reúnem, em modo turbo, todo o tipo de som que tornou o Angra conhecido: power metal, metal progressivo, música erudita, música brasileira e enorme rigor técnico. Com auxílio de material pré-gravado para orquestras e outros instrumentos distintos, o quarteto instrumental conseguiu reproduzir tudo de modo bem fiel.
A variável era Fabio Lione, por vezes um peixe fora d’água no contexto artístico desse grupo. Mesmo com sua incontestável bagagem técnica, o vocalista italiano oriundo do Rhapsody (of Fire) nem sempre conseguiu se sair bem ao executar as complicadas linhas de Edu Falaschi, responsável pelo microfone principal no álbum de 2004. Pudera: seu registro é bem diferente do cantor a quem substituiu no início da década passada. Talvez a encrenca maior esteja em colocá-lo para interpretar músicas — e álbuns completos — de seus antecessores, com direito a quatro turnês comemorativas de discos em 12 anos.
Em canções que não demandam tanta delicadeza, como na abertura do disco “Spread Your Fire”, na incrivelmente virtuosa “Angels and Demons”, na feroz “The Temple of Hate” e na tipicamente power metal “Winds of Destination”, o italiano se sai bem. Já naquelas onde há uma exigência maior por sensibilidade na interpretação, como na complexa “The Shadow Hunter”, na brasileiríssima “Sprouts of Time”, na subestimada “Morning Star” e em “Late Redemption” (com Bittencourt no microfone para as partes de Milton Nascimento), fica, sinceramente, difícil de ouvi-lo. Seja nos bons ou maus momentos do set, em boa parte do tempo sente-se falta do vocalista que fez o álbum original — e, diga-se, nem Falaschi consegue performar hoje as linhas de 2004 com qualidade tão similar, devido aos efeitos provocados por longos problemas com refluxo.
Devaneios críticos à parte, a reação da plateia é inquestionável. E tanto Lione quanto seus colegas tiveram aprovação dos quase 4 mil presentes no Tokio Marine Hall do início ao fim. Poucas bandas de som pesado no Brasil conseguiram desenvolver tamanha sinergia com o público como o Angra — a ponto de cada integrante, quando apresentado aos fãs, ter sido aclamado e ouvir seu nome gritado em coro. Até mesmo o cantor italiano, que não é e nem precisa ser unanimidade.
Esta forte conexão com quem se dispõe a sair de casa para assisti-los é o que deve manter o Angra vivo após este hiato. Que, ao retornar, o grupo mantenha esse imprescindível laço e preserve, também, o bom clima interno entre os membros, algo visível em cima do palco. Como destacado pelo próprio Rafael Bittencourt em discurso no meio do show: “Desde o começo, nunca foi tão agradável estar na banda, tão gostoso trabalhar junto. Isso foi muito difícil de se conquistar e muito importante”.
Setlist — Angra
Parte 1:
1. Nothing to Say
2. Millennium Sun
3. Tide of Changes – Part I
4. Tide of Changes – Part II
Parte 2 – Temple of Shadows:
5. Deus le volt! + Spread Your Fire
6. Angels and Demons
7. Waiting Silence
8. Wishing Well
9. The Temple of Hate
10. The Shadow Hunter
11. No Pain for the Dead
12. Winds of Destination
13. Sprouts of Time
14. Morning Star
15. Late Redemption
Parte 3:
16. Rebirth
17. Angels Cry
18. No More Tears (cover de Ozzy Osbourne)
Bis:
19. Unfinished Allegro + Carry On (encurtada)
20. Nova Era
Outro: Gate XIII
Veja também:
+++ LEIA MAIS: Angra conta à RS tudo o que você precisa saber sobre hiato, shows finais e ‘Temple of Shadows’
+++ LEIA MAIS: Edu Falaschi fala à RS sobre turnê, Temple of Shadows, próximo álbum e Guilherme Arantes
+++ LEIA MAIS: O baterista brasileiro que mudou a vida de Aquiles Priester
+++ LEIA MAIS: O guitarrista de metal que pode ajudar Toninho Geraes a vencer Adele na Justiça
+++ LEIA MAIS: Três brasileiros são eleitos melhores bateristas do mundo pela Modern Drummer
+++ Clique aqui para seguir a Rolling Stone Brasil @rollingstonebrasil no Instagram
+++ Clique aqui para seguir o jornalista Igor Miranda @igormirandasite no Instagram