Celebridade
A trajetória de uma vida marcada pela alegria, coragem e empoderamento

Preta Gil deixa um legado de música, coragem e luta contra o câncer, sempre com alegria e empoderando mulheres, enfrentando desafios com força
A vida sob o olhar de Preta Gil pulsava em um ritmo diferente. O ato de viver era sublime, intenso, cheio de cores. Não tinha dia ruim, problema ou tempestade que apagasse seu sol, seu sorriso. Seu maior legado é justamente esse: o jeito leve e alegre com o qual escreveu sua história. “O melhor lugar do mundo é aqui e agora. Essa minha passagem sempre foi sobre alegria, amor e, agora, depois de tudo que passei, ainda mais“, chegou a dizer ela, que morreu no último dia 20, aos 50 anos, em NY, após perder a batalha contra um câncer no intestino.
Descoberta em 2023, a doença trouxe à tona uma Preta ainda mais forte e guerreira. “Eu ainda tenho muito que viver. Ainda tenho muito que amar. Então, poderia ser um choque muito grande, me acometer de tristeza, de melancolia, mas de jeito nenhum“, falou ela, entre idas e vindas ao hospital, cirurgias e sessões de quimioterapia. A viagem aos EUA, inclusive, foi uma tentativa de tratamento alternativo, mas a cantora não resistiu.
Filha de um dos maiores ídolos da música brasileira, Gilberto Gil (83), Preta cresceu sob a mira dos holofotes e escreveu sua história sem nunca se ancorar no sucesso do pai. Desde nova, ela sabia que seu destino estaria nos palcos, mas o início artístico foi nos bastidores, como produtora. “Tinha alguma coisa que me agoniava, uma angústia, uma insatisfação que eu não sabia o que era. Eu era bem-sucedida, tinha minha produtora e era querida por todo mundo. Por que não era feliz? Fui descobrir com terapia que era porque eu estava fugindo da minha essência, de mim mesma. O que eu queria mesmo era cantar!“, disse ela, que fez sua estreia nos palcos de 2002.
Já em 2003, lançou seu primeiro álbum, Prêt-à Porter, e abalou os mais conservadores com uma foto nua na capa. Ali, Preta mostrou sua voz e seu corpo, fazendo nascer uma de suas principais bandeiras: o empoderamento feminino. “Aquilo me custou muito, mas abriu caminhos. Ao defender minha existência como mulher gorda, bissexual, preta, quando nada desses assuntos era pauta ainda, coloquei meu corpo a esse serviço. Vi meu corpo sendo atacado no início da minha carreira e foi a partir daí que eu entendi: meu corpo é político“, explicou ela, tornando-se voz ativa nas lutas contra o racismo, a homofobia e a gordofobia.
Destemida, ela chegou a ir ao Congresso Nacional defender a lei que permite a união entre pessoas do mesmo sexo. “Eu sou bissexual assumida, fui muito atacada por isso. Estou aqui como mulher, como cidadã, fazendo a minha parte e, obviamente, sendo artista e podendo emprestar a minha voz para amplificar ainda mais a voz deles todos“, discursou. Segura e bem resolvida, Preta também não se intimidava ao mostrar as cicatrizes deixadas pelas cirurgias. “Sim, eu uso bolsa de ileostomia e não tenho vergonha de mostrar, pois essa bolsinha salvou minha vida“, falou.
A maior cicatriz, no entanto, foi o fim do casamento com Rodrigo Godoy (36), após ela descobrir que estava sendo traída em meio ao seu tratamento. “Ele me largou com câncer. Ficava em casa largada, enquanto ele saía. Tentava conversar, sugeri terapia. Mas ele me ignorava“, lamentou Preta, que felizmente teve um balanço amoroso positivo e intenso. Seu primeiro casamento foi com o ator Otávio Muller (59), com quem teve o único filho, Francisco (30).
Em 2000, voltou a subir ao altar com o roteirista Rafael Dragaud. E, em 2009, se casou com Carlos Henrique Lima, em uma relação que durou quatro anos. Além disso, namorou nomes como Paulo Vilhena (46), Caio Blat (45) e Marcos Mion (46). “Se apaixonar por homens ou mulheres nunca foi um dilema para mim“, falava ela, que permaneceu amiga da maioria de seus ex. E por falar em amizade, era nos amigos que Preta encontrava seu porto seguro. “A gente coloca muita expectativa no amor romântico, mas nossos amores são os amigos“, expressava a cantora, que tinha laços estreitos com Carolina Dieckmann (46), Gominho (36), Fernanda Paes Leme (42) e Ivete Sangalo (53).
Em casa, a relação com a família era de carinho e admiração. A filha de Gil e Sandra Gadelha (77) dividiu o palco com o pai por inúmeras vezes — sua última apresentação nos palcos, aliás, foi em abril, quando participou do show da turnê Tempo Rei, de Gil —, e nutria afeto especial pela madrasta, Flora Gil (65). Preta também realizou o sonho de ser vovó com a chegada de Sol de Maria (9). “Avó babona, superprotetora e louca. Quando ela nasceu, quando vi aquele rostinho, fiquei ainda mais apaixonada. É um amor sem explicação, não cabe no peito“, definiu a cantora, que dedicou a sua biografia, Preta Gil: Os Primeiros 50, lançada no ano passado, à sua neta.
Cantora, mãe, avó, mulher e, por que não, atriz e apresentadora! Sim, Preta também se aventurou nas telinhas. Em 2003, ela estreou na Globo na trama Agora É Que São Elas e, no ano seguinte, foi contratada pela Band para apresentar o Caixa Preta. Versátil, ela ainda pilotou o Vai e Vem, no GNT, e foi comentarista do global Esquenta!. “Ser esporadicamente atriz, apresentadora… Isso agrega, faz com que o meu trabalho tenha a minha cara“, explicava a estrela.
Mas era o carnaval, sem dúvida, que fazia o coração de Preta bater ainda mais acelerado. Em 2009, ela criou o Bloco da Preta, trio elétrico que se tornou referência na folia e símbolo de celebração à diversidade. “Não é apenas festa, glitter e bebedeira. É um patrimônio. É uma festa inclusiva“, dizia ela, que também brilhou na avenida, quando assumiu o posto de rainha de bateria da Mangueira, em 2007. Ali, mais uma vez, ela teve que lidar com críticas. “Eu era considerada fora do padrão. Desde esse momento, insisto que a gente tem que ser o que a gente é, com o corpo que a gente quiser“, defendeu-se. E, de fato, Preta foi exatamente aquilo que sempre quis ser, até os últimos instantes de sua vida.
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