Música
Os Osbournes: a primeira família americana

Este texto foi originalmente publicado pela Rolling Stone EUA, por Erik Hedegaard, no dia 9 de maio de 2002, e pode ser conferido aqui.
Todo mundo ama The Osbournes, o novo reality show da MTV estrelado por Ozzy Osbourne, de 53 anos (o cara que nos deu o Black Sabbathe o heavy metal!), sua esposa Sharon e dois de seus três filhos — Jack, de 16 anos, e Kelly, de 17. É o maior sucesso instantâneo da história da MTV em seus 21 anos de existência, atraindo um público de 6 milhões de pessoas que não se cansam das loucuras da família: as brigas, os palavrões, os delírios do patriarca outrora entorpecido por drogas.
Mas assistir ao programa é uma experiência desconcertante. Como qualquer outra pessoa, acho hilário; mas, quando o episódio de meia hora termina, me vejo de pé, andando pela sala meio como o próprio Ozzy, de boca aberta. Por um tempo, achei que fosse porque eu não conseguia entender por que Ozzy se exporia daquela forma. Certamente, com uma fortuna pessoal estimada em 57 milhões de dólares, ele não precisa do dinheiro. Em uma coletiva de imprensa, Ozzy sugeriu que fez isso para expandir certos limites e compreensões. “O que é uma família funcional?”, ele perguntou.
Eu sei que sou disfuncional pra caralho, mas quais são as diretrizes que todos temos que seguir? Os Waltons?
Talvez seja um bom argumento, mas eu não conseguia engolir. Porque, na mansão de brinquedo de 1.200 metros quadrados dos Osbournes em Beverly Hills, quem manda é a Sharon, não o Ozzy. Como o próprio Ozzy disse mais recentemente: “De repente, eu já estava fazendo o programa. Não foi ideia minha. A Sharon é minha chefe, sabe?”. De fato, além de ser sua esposa, ela também é sua empresária — e uma figura de peso na indústria da música. Diz a lenda que, certa vez, ela ficou tão furiosa com um promotor que deu uma joelhada nos testículos dele.
Mas que razão ela teria para querer compartilhar com o mundo os momentos mais íntimos de sua família? Então me veio o estalo: por amor profundo ao Ozzy. Ele é um ex-dependente, e ex-dependentes precisam se manter ocupados, caso contrário, correm o risco de recair. Com doze câmeras na casa, seis dias por semana, uma recaída séria estaria, com sorte, fora de cogitação. Então, essa pergunta foi respondida.
E, mesmo assim, algo ainda me incomoda. Já disseram a ele: “Você está virando uma paródia de si mesmo”, e ele respondeu: “Eu não estou virando nada além do que eu sou. O que você vê é como sempre foi”. Fiquei pensando nisso e me perguntei se poderia ser verdade.
No começo da primavera de 2000, tive a oportunidade de passar alguns dias com a família Osbourne. Quando conheci Ozzy pela primeira vez, nos escritórios da Ozz Records em Beverly Hills, ele era praticamente o mesmo personagem que aparece na TV. Entrou vagando, vestindo uma camiseta preta e calça de moletom preta com cordão (uma das quarenta que ele tem), o cabelo caindo na frente dos olhos. Estava curvado, os dedos tatuados tremiam, e a sexta frase que ele me disse foi mais ou menos assim:
Sou desses caras que acordam de manhã e já têm um puta problema: tô procurando alguma coisa pra matar ou explodir ou alguma porra dessas. Minha cabeça é um caos total, e meus nervos já começam a tremer…
Ele deu um sorriso, depois saiu andando para acariciar um dos cachorros da família, a Minnie, uma minúscula Lulu-da-Pomerânia, me deixando ali sentado no meio de uma nuvem do seu delicioso perfume (Czech & Speake, No. 88, noventa e dois dólares o frasco), meio divertido — do mesmo jeito que às vezes me divirto assistindo a ele na MTV, pedindo ajuda ao Jack pra descobrir como funciona o “maldito” controle remoto da TV, ou dizendo à Kelly que, se ela não quiser ir ao “médico da vagina”, então ela simplesmente não deveria ir ao “médico da vagina”.
Gostei dele de imediato, e fiquei mais do que satisfeito com a forma como ele e sua família me incluíram em tudo o que faziam. Na verdade, uma tarde eu até acompanhei todo o grupo — incluindo a filha Aimee — em uma reunião com um executivo de TV para discutir uma série no estilo sitcom que talvez fosse estrelada pelos Osbournes. Isso foi bem antes do acordo com a MTV, e o programa em questão seria semificcional. Na época, Jack já tinha chamado a ideia de “nojenta”, Kelly disse que era “cafona”, e Aimee, com 18 anos, declarou que não queria se envolver de forma alguma. Todos questionaram o executivo sobre os constantes palavrões da família. Ele respondeu que todas as palavras impróprias seriam simplesmente censuradas com um bip. “Então, se o Ozzy estiver falando, pode ser que haja, tipo, quinze bips em uma fala, e isso seria engraçado!”
“OK”, disse Sharon. “A gente não pode fingir ser pessoas que não somos. Não é, Ozzy?”
“O quê?”, disse Ozzy, voltando de algum devaneio.
“Falar coisas como: ‘Ah, puxa vida; ah, droga; ah, você é bobo’”.
Ozzy piscou para ela e gritou: “Vai se foder!”
Mais tarde, de volta à casa, Sharon disse a Jack: “A questão sobre o Ozzy é que ele não consegue fingir ser algo que não é. Ele é incapaz de fazer média”.
Então Jack teve uma ideia. “Sabe o que eu acho que a gente devia fazer?”, disse ele ao pai. “A gente devia chamar uma equipe de filmagem pra vir aqui em casa no fim de semana e mostrar como a gente é de verdade. Tipo um The Real World, mas com a gente”.
“Ah, isso seria uma porra de programa”, disse Ozzy. “Tem que ir pra TV. Todos os corações fracos têm que assistir.” Ele pensou mais um pouco. “Hmm”, disse por fim. “Boa ideia, Jack.”
E foi basicamente assim que a ideia surgiu. Em julho de 2001, a MTV exibiu um episódio muito bem-sucedido de Cribs com a família, e Sharon Osbourne apresentou a ideia de Jack para o canal, apesar das objeções de Aimee. Na verdade, Aimee sempre teve sentimentos conflitantes em relação ao pai e à reputação dele. “Acho tão irritante quando as pessoas me perguntam se meu pai come morcegos”, ela me disse. “Na escola, quase todo dia, algum idiota vinha me perguntar: ‘Então, vocês comem morcegos mesmo?’ E eu respondia: ‘É, o tempo todo. Você devia ir lá em casa, vamos fazer um churrasco de morcego no fim de semana’”.
Então, quando Aimee decidiu sair de casa durante os quatro meses de filmagem, ninguém na família se surpreendeu. E, finalmente, no outono passado, a diversão — ou o que quer que se queira chamar de “diversão” — começou.
“Eu sou só o pai”, disse Ozzy recentemente. “É uma vida meio fodida, na real. Um astro do rock deveria dizer: ‘Tragam meus Vicodins!’ ou ‘Preparem um banho de água Perrier!’ Eu fico é com merda de cachorro até o cotovelo e uma porrada de xingamento no ouvido”.
Segundo as regras estabelecidas pelos próprios Osbournes, no entanto, há certas coisas que o público da TV nunca verá. Você nunca verá Ozzy sentado no vaso sanitário, nem verá ele fazendo com Sharon o que talvez nem pareça natural no quarto. Por mim, tudo bem. Mas enquanto assistia ao programa e pensava no Ozzy que eu conheci, comecei também a pensar no que mais o público não estava vendo — e isso começou a me incomodar cada vez mais.
Dois anos atrás, Ozzy era viciado em cigarro; era seu último vício restante. Ele lamentava isso e dizia a Sharon que tinha parado, mas passamos muitas horas juntos fumando — só para apagar os cigarros rapidinho quando a Mamãe Sharon entrava pela porta. Ela nunca era enganada. Olhava direto para o Ozzy e exigia cheirar seu hálito. “Seu babaca!”, ela gritou uma vez. “Filho da puta, filho da puta!” E os dois caíram na risada.
Eu adorava esses momentos, porque falavam de transgressão e perdão — coisas sempre em falta. Mas também adorava quando era só o Ozzy perambulando pela casa, mordendo um pedaço de linguiça chorizo e fazendo solilóquios sobre a arte da vida extraordinária que teve. Crescendo na Inglaterra como um disléxico severo, largou a escola e virou pequeno ladrão, mas tinha amor pela música. Em 1969, ajudou a fundar o Black Sabbath, cantou músicas pesadas sobre paranoia e virou astro. Mas em 1978, a banda o demitiu por ser, basicamente, um fodido além da conta.
Depois disso, ele pensou em se matar — até que conheceu Sharon (cujo pai, com jeito de mafioso, era seu empresário na época), e ela assumiu as rédeas da carreira dele. Com a ajuda dela (e algumas panelas quebradas na cabeça dele), somada ao faro de Ozzy por escândalo (como morder morcegos, etc.), ele vendeu cerca de 70 milhões de discos solo e se tornou o rosto da turnê de heavy metal de enorme sucesso conhecida como Ozzfest.
“Sonhos são o que realmente importa”, ele disse certa manhã.
Sou a prova viva disso. Mas não saí ileso, e não é nada divertido olhar para trás. Tem uma porção de caras que não conseguiram chegar até aqui. A lista é interminável — caras que se suicidaram, overdoses, se deram um tiro, porra, se afogaram, caíram de algum lugar, morreram num acidente de carro, ou simplesmente não acordaram — se engasgaram com o próprio vômito, congelaram até a morte, se queimaram vivos. Para cada Ozzy Osbourne, tem uns dez corpos: Bon Scott, John Bonham. Randy Rhoads.
Rhoads era o melhor amigo de Ozzy e guitarrista do Black Sabbath. Em 1982, enquanto Ozzy e Sharon dormiam no ônibus de turnê estacionado, Rhoads sobrevoava a área num avião pequeno, que acabou caindo e explodindo.
“Já revivi isso mil vezes na cabeça”, Ozzy me disse. “Se eu tivesse acordado, provavelmente teria subido naquele avião, sentado na porra da asa”.
Ele pensa nisso o tempo todo. E, de vez em quando, um dos filhos pergunta pra Sharon o que aconteceu naquele dia. E Sharon explica: “O avião bateu no ônibus, rachou a estrutura e atravessou até uma casa. Foi um pesadelo. A casa pegou fogo”.
“Não tinha um cara surdo na casa?”, pergunta Jack.
“Tinha sim, Jack. E seu pai correu lá dentro e tirou ele de lá. Foi horrível. E uma semana depois, ele já estava fazendo audições com novos guitarristas”.
“Por quê?”
“Porque seu pai estava tão em choque que eu sabia que, se a gente não se mexesse, o Ozzy estaria acabado”.
Presenciar essa conversa é algo que realmente emociona. Vi os olhos do Jack brilharem ao imaginar o pai como um herói, e foi um momento bonito. Isso tudo faz parte da rica (e intensa) história da família Osbourne. Em certos momentos, foi uma história terrivelmente sombria: em 1989, por exemplo, Ozzy — completamente bêbado — tentou enforcar Sharon com as próprias mãos. Mas também foi uma trajetória miraculosa, difícil até de entender: ela o perdoou.
Segundo Brian Graden, presidente de entretenimento da MTV, no entanto, os 6 milhões de espectadores do programa nunca terão a chance de se comover com o heroísmo de Ozzy nem com a devoção inabalável de Sharon. “A gente enxerga o programa como uma meia hora de entretenimento que se passa no presente”, ele me disse. “Então, não, não acho que vá voltar ao passado. Além disso, os Osbournes não são assim. Eles vivem o agora”.
Mas, claro, isso não é exatamente verdade. O programa é o que é: uma comédia, tudo bem. Mas os Osbournes têm um passado sobre o qual falam, pelo menos de vez em quando, e me incomoda que alguém queira que acreditemos diferente. Eles são mais do que o que você vê na MTV. Muito mais.
“A verdade é que,” Ozzy disse algumas semanas atrás, “às vezes eu assisto a esse programa de TV e fico triste”. Ele tentou explicar o que quis dizer, mas, como às vezes acontece com Ozzy, as palavras falharam, e só ficou a sensação dele estar triste com o programa. Quando não estou rindo, sinto o mesmo.
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