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o Butt Rock está de volta, baby

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Numa noite de outono em Midtown Manhattan, uma multidão de bros invadiu a Herald Square para ver o Creed. Andavam por ali segurando Budweisers e cachorros-quentes nas mãos — alguns até acenderam juntos seus Marlboros vermelhos durante “Higher”. A plateia estava cheia de camisetas do 3 Doors Down (que abriu o show), camisas do Dallas Cowboys com “Stapp” nas costas e aquelas camisetas de piada suja que você compra no calçadão de Jersey Shore (uma delas dizia “Use MILFs, Não Drogas”).

Tudo isso não aconteceu em 2002 — mas sim em novembro de 2024, quando a banda lotou o Madison Square Garden.

A última vez que o Creed tocou no Garden foi no ano 2000. Eles eram, ao mesmo tempo, a maior e a mais odiada banda do mundo. As letras com toques cristãos, o dramatismo baritonal da voz de Scott Stapp, o cabelo esvoaçante na altura dos ombros, peitos oleosos e camisas eternamente desabotoadas fizeram deles — e de bandas semelhantes — o símbolo de tudo que havia de cafona no rock moderno da época.

Mas a cada piada sobre o Creed, a banda vendia mais mil CDs, somando quase 30 milhões de discos vendidos só nos EUA e 53 milhões no mundo todo. No ranking dos artistas mais vendidos do milênio, eles estavam ao lado de nomes como Eminem, Britney Spears, Toby Keith e Jay-Z. E embora todos esses tenham sido criticados de diferentes formas, poucas bandas foram tão esculachadas quanto o Creed — a não ser aquelas que soavam como eles: Nickelback, 3 Doors Down, Staind, Hinder, Buckcherry e o resto do hard rock que dominava o Top 40 daquela era.

Na época, esses roqueiros supermasculinizados eram vistos como o lamentável resultado de uma geração de músicos que idolatrava o som de ícones do grunge como Nirvana e Pearl Jam, mas queria viver a vida devassa — e, de preferência, menos depressiva — dos roqueiros da Sunset Strip, como Guns N’ Roses ou Mötley Crüe. Não eram exatamente grunge, nem exatamente metal: caíram no termo genérico “Butt Rock” — um rótulo que as bandas odiavam, mas que os fãs acabaram adotando com o tempo.

“Nos anos 2000, o rock voltou”, lembra o crítico e apresentador do podcast 60 Songs That Explain the ’90s, Rob Harvilla. Na época em que o Butt Rock dominava, Harvilla começava sua carreira num jornal alternativo de Columbus, Ohio. “The Strokes e White Stripes eram considerados bandas cool, dignas de capa de revista. Enquanto isso, Nickelback vendia 10 milhões de discos. O próprio conceito de declarar uma banda ‘cool’ servia para desprezar ainda mais as bandas populares de verdade. Sempre precisa existir a banda cool e a banda cafona para esse contraste funcionar.”

Nas décadas seguintes, Creed e outras bandas perderam popularidade ou acabaram da forma clássica das bandas de rock: mudanças de formação, abuso de drogas, problemas legais, mortes. As que continuaram, focaram em turnês, mas já não conseguiam mais emplacar singles ou discos nas paradas. Mas antes mesmo do retorno do Creed em 2023, uma mudança já estava em curso. Millennials que cresceram ouvindo Creed e similares tinham lembranças muito mais afetuosas do que os adultos “mais criteriosos” daquela época. Suas infâncias estavam recheadas de memórias ouvindo “One Last Breath” nas rádios ou assistindo ao clipe de “Photograph”, do Nickelback, na MTV. E essas lembranças eram boas — às vezes, até marcantes.

@jonthewiggles “I just need my kids” – Me, a kid #nickelback#dadrock#2000sthrowback♬ Savin’ Me – Nickelback

Nos últimos três anos, os conteúdos sobre essas bandas mudaram: deixaram de ser só piada para virar lembranças carinhosas ou bem-humoradas. Os fãs começaram a chamar o gênero de “rock-de-pai-divorciado” — uma evolução natural do “rock de pai” do classic rock. Criadores de conteúdo da Gen Z começaram a divulgar as músicas e até a frequentar festas temáticas de Butt Rock. Grandes popstars também se declararam fãs. Em 2023, Megan Thee Stallion, durante uma live no Instagram, aumentou o volume e largou o que estava fazendo para dançar quando “How You Remind Me” tocou. “A gente precisa pegar essa instrumental”, disse, antes de imitar o jeito que Chad Kroeger canta o “yeah.” Já SZA defendeu Creed e Nickelback em entrevista à Variety.

“Os brancos odeiam Nickelback?”, ela perguntou, depois que o entrevistador levou a mão à testa ao ouvi-la dizer que adorava as bandas. “Eu gosto tanto de Creed — ‘Higher’? Por que esse hate? Você já se sentiu mais inspirado e elevado na vida? Eu estou no carro, coloco ‘Higher’ no máximo e parece um gospel, os vocais estão insanos e, de algum jeito, ainda tem um toque romântico, é divertido. Porque, mesmo sendo clichê, ele canta com tanta intensidade! Eu vou ser fã do Creed para sempre.”

Os ciclos de nostalgia são naturais: a cada 20 ou 25 anos, um estilo, gênero ou subcultura volta ao mainstream, reinventado por jovens que eram pequenos demais para viver aquilo na época. Nos últimos cinco anos, tivemos uma enxurrada de microtendências dos anos 2000: calças largas e de cintura baixa, baby tees, os pastéis vibrantes da Club Libby Lu, o pop punk da Fueled by Ramen. Andar pelas ruas de SoHo, em Manhattan, hoje, não é muito diferente de 2002 — assim como o show do Creed. E o ciclo se torna tão onipresente que até quem, na época, ignorava essas tendências ou bandas começa a se perguntar, agora adultos, o que havia de tão errado com aquilo.

@subradioband Nothing butt rock in this one #fypp#alternativeband#alternativemusic♬ original sound – Sub-Radio

E as grandes turnês e memes de Instagram são só a ponta do iceberg do Butt Rock: há cruzeiros lotados, festival em terra firme, merch pirata, picos de streaming e festas temáticas em praticamente todas as grandes cidades dos EUA. As próprias bandas estão de volta para colher os frutos: Creed até estrelou um comercial do Super Bowl 2024 para a Paramount+, no qual Drew Barrymore, Patrick Stewart e Arnold (do Ei Arnold!) cantavam “Higher”.

Mas não são só os criadores de memes que estão resgatando a música da juventude. Também estão nessa os bros conservadores — fãs de Trump e da “manosfera” —, um reflexo mais fiel da era Bush pós-11 de setembro, quando essas bandas encontraram seu público. Esse fator adiciona uma camada mais complexa ao revival do Butt Rock. O público dessas bandas nunca foi tão confuso: dividido entre humoristas da internet e fãs genuínos que provavelmente nunca deixaram de amá-las. E é nesse meio-termo que a ironia começa a se desfazer: será que Creed e Nickelback foram injustamente julgados? E, se foram, afinal… pra quem eles eram mesmo?


NO HALLOWEEN EM Nova York, a típica multidão fantasiada lotou o Fig. 19, um speakeasy de coquetéis no Lower East Side. Havia gatos, zumbis, casais vestidos dos personagens de Rivais e — diferente da maioria das festas — uma quantidade absurda de Fred Dursts. No comando das pick-ups, a DJ e anfitriã do Deadbangers Ball, Alanna Raben, tocava Korn e Creed enquanto os fãs de boné vermelho virado pra trás bebiam coquetéis como o Mezcallica e o Black Hole Rum.

O primeiro Deadbangers Ball dela aconteceu cinco Halloweens antes, em 2019. Raben já discotecava por Nova York há um tempo e começava a se cansar de tocar sempre as mesmas do Top 40. Millennial assumida, ela é fã de músicas que “soam e parecem uma tatuagem tribal na lombar”, como diz. “Tenho um amor genuíno por tribal tramp stamps, correntes de carteira e Ed Hardy. Namoraria fácil um cara com cavanhaque ou aquele risquinho no queixo. Eu abraço isso. Tô aqui pra isso.”

Antes de criar suas próprias festas de hard rock, Raben testava o público tocando Nickelback ou Creed entre Drake e Chainsmokers.

Senti que às duas da manhã rolava essa hora mágica em que eu podia finalmente tocar o que eu gostava — e aquilo funcionava. As mesmas pessoas que faziam cara feia fingindo odiar esse som já estavam bêbadas demais pra esconder. Estavam lá dublando ‘How You Remind Me’.

Um ano antes, ela tinha criado o Grunch — um brunch grunge em que tocava grunge, pós-grunge e outras vertentes do rock daquela época. No restaurante El Cortez, no Brooklyn, o cardápio incluía Nickelback Shots, Red Hot Chili Nachos e Korn on the Cob — tudo pra um público lotado.

“Quando comecei, isso não era exatamente cool ou bem-aceito”, admite Raben. “Tinha lugar que ouvia minha proposta de evento com Butt Rock e virava a cara.” Durante a pandemia, ela transformou o Instagram do Grunch em uma página de memes — que hoje tem 178 mil seguidores, graças aos Fred Durst Fridays e Scott Stapp Sundays. Quando as restrições acabaram, suas festas também começaram a lotar.

“Estamos esgotando eventos em várias cidades. Criamos um chamado Nothing Butt-Rock, e agora os próprios lugares nos chamam pra fazer afters de shows e bandas”, diz Raben. Grunch já fez afters oficiais de shows do Crazytown, do Limp Bizkit e até uma festa VIP no show do Creed em Jones Beach, em julho. “As pessoas perceberam que o amor pela música é genuíno. Existe um público real. Os memes só provaram isso.”

Enquanto isso, no sul dos EUA, o compositor Bryan Frazier cresceu idolatrando Nickelback e Creed. “Sempre amei essas bandas”, diz o virginiano de 35 anos, sem medo. Ele se mudou pra Nashville na casa dos 20 pra tentar a carreira musical. “As pessoas odiavam e zoavam quem curtia esse som. Agora é engraçado ver esse ciclo em que virou cool gostar delas. Acho que as pessoas estão assumindo.”

No festival de compositores BMI Key West, ele percebeu que não estava sozinho no amor declarado por essa fase do rock. Estava no aeroporto de Atlanta com alguns músicos e começaram a falar das músicas que, crianças, não conseguiam evitar ouvir no rádio. “Ficamos trocando memes e dizendo: ‘Cara, que saudade desse som’”, conta.

Um dos novos amigos era do Raised Rowdy, marca de podcast e produtora de eventos ao vivo em Nashville. Decidiram criar uma banda-base e montar um show onde a comunidade de compositores da cidade pudesse cantar seus hits favoritos daquela época — formando uma espécie de “cover band profissional com cantores muito bons”.

“Fez todo mundo se sentir jovem de novo”, diz ele sobre a primeira Butt Rock Night, em março de 2021, no Live Oak. Quase 250 pessoas apareceram. “Ninguém competia com ninguém. Todo mundo era só um moleque cantando as músicas que amava.”

Desde então, Frazier criou seu próprio Instagram, onde posta memes e reels sobre esse amor pelas mesmas bandas que tocam no evento. A página já tem 165 mil seguidores — e até comentários de apoio do próprio Scott Stapp. Em novembro, a Butt Rock Night fez o after oficial do Live in Nashville, do Nickelback. “Foi um marco gigante pra essa noite ridícula”, diz Frazier.

Creed e muitos desses caras foram zoados por tanto tempo que levou um tempo pra eles entenderem que a gente não tava tirando sarro”, continua Frazier. “Somos 100% superfãs deles, e o termo [Butt Rock] não é pejorativo. Queremos fazer com que fiquem ainda maiores. Estamos tentando tornar isso um termo positivo.”

E é claro que as bandas estão sentindo essa onda positiva — até repensando sua relação com um rótulo que por tanto tempo teve conotações negativas. Hinder, por exemplo, viu sua música “Lips of an Angel” ter um salto impressionante de popularidade e voltou à ativa com turnês e gravações. Em maio, lançaram o disco com o nome certeiro: Back to Life.

“O renascimento já estava acontecendo, então achamos que era o momento ideal pra voltar e lançar material novo, meio que surfando essa onda, já que as atenções estavam voltadas pra gente e pras músicas”, disse o baterista Cody Hanson.

@andrewlicout man risked his life for a tune #producer#hinder#lipsofanangel#original♬ Lips Of An Angel – Hinder

E os fãs realmente estão buscando Hinder: um representante da TouchTunes compartilhou dados com a Rolling Stone, mostrando que a banda teve um aumento de 22% nas execuções entre 2022 e 2024. No bar em frente ao local onde Frazier organiza a Butt Rock Night, “Lips of an Angel” precisou ser removida do jukebox — porque estava sendo tocada demais.

Grunch e Butt Rock Night são só duas entre uma onda de páginas e festas temáticas de Butt Rock. Em maio de 2025, em Los Angeles, o DJ e fã de nu-metal Holiday Kirk organizou a Creed Night num local no centro da cidade onde lutadores amadores quebravam placas de drywall na própria cabeça enquanto “Higher” ecoava das caixas de som. No último outono, o apresentador da SiriusXM Octane e criador de conteúdo Jesea Lee coorganizou sua primeira festa do gênero em Cleveland, ao lado dos promotores emo do Jukebox Breakdown.

A página popular de Lee no TikTok é dedicada a notícias de hard rock e metal, então ele percebeu a mudança no tom dos comentários sobre bandas de Butt Rock já em 2023.

“Houve uma virada gigantesca na percepção sobre o Nickelback”, explica. Isso aconteceu entre o lançamento do álbum Get Rollin’ da banda canadense, em 2022, e a estreia do documentário Hate to Love. “Sempre que posto algo sobre eles e alguém tenta zoar, esses comentários são rebatidos na hora. As pessoas agora dizem: ‘Fingir que não gosta de Nickelback não é mais legal.’”

Todas essas festas e páginas de meme vêm se sustentando em uma mistura de pós-grunge, hard rock e nu metal, unindo gêneros distintos sob o mesmo rótulo de Butt Rock — mesmo que bandas como Korn, Deftones e Limp Bizkit tivessem abordagens bem diferentes e odiassem o som do Butt Rock tanto quanto qualquer crítico da época. O revival do nu metal até antecedeu o retorno do Creed e do Nickelback em alguns anos: houve vários documentários sobre o Woodstock ‘99, a marca JNCO voltou à moda, e o Deftones estrelou uma grande colaboração com a Heaven, de Marc Jacobs, com a modelo Gabbriette como garota-propaganda. À medida que mais bandas que tocavam nas mesmas rádios rock e Top 40 daquela época são redescobertas, o conceito de nostalgia dos anos 1990 vai se achatando cada vez mais.

Rob Harvilla começou a notar essa fusão dos gêneros do fim dos anos 1990 enquanto produzia o podcast 60 Songs That Explain the ‘90s e escrevia o livro correspondente.

“O fim dos anos 90 foi uma terra de ninguém esquisita e de transição”, diz ele. Todos esses gêneros que antes tinham divisões muito claras agora viraram algo nebuloso, fundindo-se num ‘supergênero’ chamado simplesmente de ‘música dos anos 90’. O mesmo vale pro Y2K, já que muitas dessas bandas só atingiram o auge no novo milênio.”

A nostalgia e a memória podem ser traiçoeiras. A maioria dos posts que Lee vê no TikTok são de millennials e membros da Geração Z lembrando da sensação de ouvir Staind, 3 Doors Down, Puddle of Mudd ou System of a Down no carro dos pais. As linhas de gênero não importam: pra eles, aquilo era só o hard rock do Top 40 que marcou a infância.

Já os Gen X que nunca ridicularizaram o Butt Rock continuam fãs ativos. Eles não estão nas festinhas descoladas — são eles que esgotam as cabines nos cruzeiros do Creed e lotam os gramados dos anfiteatros todos os verões. Nos comentários dos vídeos virais, tornaram-se defensores ferrenhos — até territoriais, diz Lee.

“Tem muito tiozão bravo nos comentários”, conta ele, especialmente nas listas de ‘melhores bandas de Butt Rock’ feitas por fãs mais jovens. “Do tipo: ‘Você nem viveu isso’, ou, ‘Como você ousa ranquear isso? Você nem estava lá.’”

“Essas bandas venderam milhões e milhões de discos, e os fãs amavam elas sem ironia. Amavam apesar de não serem cool — ou talvez justamente porque não eram cool. E isso é uma relação muito mais interessante de se ter com uma banda do que simplesmente gostar porque te disseram que era legal. É algo mais intenso, mais honesto, mais pessoal.


O show do Creed no Madison Square Garden aconteceu poucas semanas depois que Donald Trump foi reeleito presidente. Não havia bonés vermelhos à vista, mas havia um clima de vitória no ar. Pelo menos dois gritos de “USA!” surgiram durante a apresentação de abertura do 3 Doors Down (que tocou na posse de Trump em 2017). Outros quatro aconteceram depois que o Creed subiu ao palco.

“Não tem como alguém que votou na Kamala [Harris] vir a isso aqui”, comentaram os caras millennials atrás de mim — pronunciando o nome dela errado.

O apresentador do podcast Flightless Bird, David Farrier, viu uma cena parecida quando foi a um show do Creed em San Bernardino, Califórnia. Farrier cresceu na Nova Zelândia e estudou em uma escola cristã conservadora. Creed e Nickelback faziam sucesso no seu país, mas o Creed conseguia a aprovação da escola e da família por causa das mensagens com tom cristão — mesmo que a banda nunca tenha se declarado abertamente religiosa. Segundo Farrier, o público do show era “profundamente pró-Trump”. O clima do evento o fez lembrar das megacongregações batistas da sua infância; em determinado momento, Stappparou o show para rezar após um fã se machucar no mosh pit.

“Nada do que o Scott Stapp faz é irônico”, diz ele. Esse, inclusive, sempre foi parte do problema que os críticos tinham com o Creed: Stapp é um frontman incrivelmente sincero, que flerta com a teatralidade do rock oitentista — rebolando a virilha, abrindo as pernas num “Warrior2” e cantando com tanta força que sua pele bronzeada já está coberta de suor nas primeiras músicas.

“Tem uma vibe bem hipermasculina”, continua Farrier. “O sentimento dos homens naquele show era tipo: ‘Podemos ser homens. Não é vergonhoso curtir esse mundo hipermasculino e muito cristão de direita.’”

Na internet, muita gente brinca com os paralelos entre o segundo governo Trump e a presidência de George W. Bush: o nacionalismo cego, a islamofobia, o discurso do medo em torno de quem “deveria” ou não estar legalmente no país. Não é coincidência que essas bandas de hard rock tenham prosperado ainda mais em meio a uma era profundamente patriótica da história americana. Creed, por exemplo, foi chamado para fazer o show do intervalo da partida de Ação de Graças do Dallas Cowboys em 2001 — que também funcionava como tributo ao 11 de setembro. O vídeo da apresentação, absurdamente patriótica, incluía coral, bandeiras girando, acrobatas em tecidos e até pombas ao vivo. Nos últimos anos, ele começou a viralizar anualmente durante o Super Bowl — mesmo sem ter relação com o evento — e inspirou uma camiseta popular que o chama de “o melhor show do intervalo de todos os tempos”.

Mesmo sem se declararem abertamente religiosos ou políticos, essas bandas representavam ideias simples de bem contra o mal, pecado e salvação. “Acho que o contexto político em que essas bandas surgiram e cresceram está sendo espelhado hoje”, acrescenta Farrier. “Não é mais tanto sobre os valores cristãos antigos com que cresci, mas sim a ideia de que tudo bem ser branco, orgulhoso e homem — e que ainda é legal fazer um rock pesado.”

Por mais apolíticos que sejam os memes e vídeos virais, isso não impediu influenciadores da alt-right de se apropriarem do renascimento do Butt Rock como sinal positivo para suas agendas. O comentarista político Rogan O’Handley postou no X:

A Geração Z está ouvindo Creed e Nickelback. Estão indo à igreja como nunca. São intolerantes com o extremismo LGBT. Estão apoiando Trump em números recordes. Mal bebem álcool e evitam a cultura do sexo casual. Essa geração não cresceu assistindo à MTV, a filmes de Hollywood ou à grande mídia. Cresceram na internet e escolheram o conteúdo que queriam. E acontece que, quando a mente humana não é doutrinada, ela se inclina para a Bíblia, os valores tradicionais — e o rock dos anos 1990.

Fora a performance do 3 Doors Down na posse de Trump e o vocalista do Staind, Aaron Lewis, dizendo em show “Deus abençoe Donald Trump e J. D. Vance”, a política da maioria dessas bandas é bem opaca. A banda canadense Nickelback, por exemplo, está co-liderando a turnê “Rock the Country” ao lado de Kid Rock, fã declarado de Trump. Scott Stapp, por sua vez, declarou apoio a Deus em um show antes das eleições de 2024.

“Eles querem nos dividir. Querem nos manter separados, cada um em sua caixinha… pra nos distrair de cobrar os verdadeiros responsáveis”, disse ele num show no Texas, em setembro de 2024. “Lembramos a eles que somos uma república constitucional fundada na Bíblia e na palavra de Deus, e não uma ‘democracia’.”

Ele ainda declarou que “direitos civis estão sendo violados todos os dias” e que “quase tudo o que acusamos outros países de fazer está acontecendo aqui mesmo.”

“Eu diria que sou fã do Creed”, admite Farrier hoje, “mas não concordo com nenhum dos valores que eles pregam — ou que, pelo menos, muitos dos fãs ali pareciam defender. Mas me encaixo perfeitamente num show do Creed: sou um homem branco na casa dos 40 anos andando por aí.”


DIFERENTE DE FARRIER, eu não me encaixava num show do Creed. Como mulher negra millennial, eu era uma exceção no Madison Square Garden naquela noite de sexta-feira. Mas cresci no meio-oeste dos EUA amando Creed, Nickelback, Staind, Hinder e o grupo de bandas de nu metal que hoje são jogadas no mesmo balaio nas páginas de memes e nas festas temáticas.

No aniversário de 10 anos de uma colega, vi ela ganhar Weathered, do Creed, da irmã — e chorar de felicidade. Desde os meus 20 e poucos anos, cantei “How You Remind Me” e “With Arms Wide Open” em incontáveis karaokês. Aos 30, entrei numa limusine esticada com seis canadenses para ver o Nickelback tocar no Starland Ballroom, em Nova Jersey. No verão passado, fui de boné vermelho virado pra trás e calça cargo preta em um party bus rumo a um show do Limp Bizkit. Nos últimos três anos, fui a tantas festas temáticas de Butt Rock que a linha entre estar cobrindo essa história e só estar me divertindo ficou bem borrada.

Gosto de ouvir esse som — tanto que várias músicas dessa época têm aparecido com frequência no meu Spotify Wrapped e Apple Music Replay nos últimos anos.

Passei a entender que o apelo dessas bandas para mim — alguém que não faz parte do público-alvo ideal — é o mesmo que encontro no pop feminino que amo e costumo cobrir: a performance de gênero exagerada. Os músculos estourando de veias, os pelos faciais malcuidados, as calças jeans largas e caídas, as tatuagens tribais, os goles de cerveja. É um tipo de masculinidade que parece ao mesmo tempo dramática e sem sex appeal.

@mrtyscott The beer that will never be topped #creed#summerof99tour♬ original sound – mrtyscott

“Eu nunca tive o prazer de ver o Creed ao vivo, mas sempre imaginei a banda como algo muito ‘cabelos longos ao vento de um ventilador gigante’, um pé apoiado no monitor, pose messiânica, de braços bem abertos”, diz Harvilla. “Essa ideia muito marcante da figura do frontman de rock como um Cristo na cruz.”

Para millennials como Raben, parecia que tanto as bandas de Butt Rock quanto as do nu metal também estavam, ao menos às vezes, cientes da piada.

“Sinto que Fred Durst criou essa persona”, ela diz. “Quando ele coloca o boné vermelho, vira o Fred Durst. Eu aceito esse papel pelo que ele é: divertido de assistir, divertido de ouvir.”

Ciclos de nostalgia muitas vezes levam as pessoas a se perguntar se as críticas ao que antes era considerado uncool não foram, na verdade, subestimações. Mas esse renascimento musical específico está tão atrelado às próprias músicas e ao que elas evocam que é difícil ignorar certo domínio musical que essas bandas tinham em criar hinos praticamente atemporais.

“Acho que a música é boa”, diz Farrier. “‘Higher’ é uma música incrível. Eles fazem canções pop fantásticas.”

“Eu gosto do Nickelback numa boa, mas não acho que precisamos ir tão longe a ponto de dizer agora que eles foram realmente grandiosos ou que foram a melhor banda de rock de sua época”, contrapõe Harvilla. “Eles nunca precisaram do aplauso da crítica — e acho que é isso que mais frustra os críticos, essa ideia de que não temos controle e não podemos dizer ao mundo o que ele deve gostar.”

De certa forma, a reavaliação crítica ainda está engatinhando — embora a cena country já esteja liderando esse processo. Em 2024, Nickelback foi convidado como atração especial do Stagecoach, festival irmão do Coachella, em Indio, Califórnia, que celebra a música country. Eles subiram ao palco ao lado de Hardy e Jelly Roll. Quando Creed assumiu o mesmo posto em 2025, teve participação especial de Tori Kelly.

@misss_missyy Please Nickel-break-my-Back. #Nickelback#ChadKroeger#concerts#liveshows @Nickelback ♬ original sound – Missy 💀

As bandas estão encontrando maneiras de manter o bom momento. Creed apostou na nostalgia ao batizar seu cruzeiro de “Summer of ‘99”. Neste verão, o evento ganhará uma versão em terra firme, num festival de mesmo nome em East Troy, Wisconsin. O Nickelback será co-headliner. Mesmo que ainda não sejam considerados cool, está claro que as bandas de Butt Rock se tornaram genuinamente adoradas.

“Acho que eles gostavam mais de serem enormes do que de serem descolados”, diz Harvilla. “Com certeza ganham mais dinheiro assim. Conseguem tocar em arenas para sempre. Em certo ponto, você precisa escolher.” Essas bandas provavelmente fizeram a escolha certa.

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