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Ideias

por que Lula quer o 2 de Julho data nacional

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A verdadeira fundação de uma nação está nas palavras proferidas por um líder, ou após a vitória da luta de um povo pela sua independência? Agora, mais de dois séculos depois do tradicional grito do Ipiranga por Dom Pedro I em 1822, o presidente Lula pede ao Congresso para que aprove o dia 2 de Julho como nova data nacional (não será feriado). A data, que já é feriado civil na Bahia, lembra a retirada das tropas portuguesas de Salvador, em 1823.  

Para além da efeméride política, Lula afirma que o 2 de Julho “representa a consolidação da independência do Brasil”, em contraponto ao 7 de Setembro, que por séculos foi celebrado como data fundacional da nossa pátria. 

A proposta, que está em análise no Senado, convida a nação a rever sua própria origem: terá o Brasil nascido de uma proclamação simbólica ou de uma guerra real e popular? A intenção do presidente Lula busca reinterpretar os marcos fundacionais do Brasil, ou é um justo reconhecimento aos verdadeiros heróis da pátria?

Para responder essas perguntas, conheça os detalhes sobre os eventos que marcaram a data com contribuições dos professores de história Marcelo Andrade, fundador da Escola e Editora Caravelas, e Rafael Nogueira, ex-presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) e da Fundação Catarinense de Cultura (FCC).

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O que é comemorado no 2 de Julho na Bahia?

O 2 de Julho celebra a vitória das forças brasileiras sobre os portugueses que ainda ocupavam Salvador após a Proclamação da Independência. Em 1823, a data marcou a retirada definitiva das tropas lusitanas da capital baiana, consolidando a autonomia do Brasil na prática. 

Na Bahia, é feriado civil e comemorado com desfiles, cortejos populares e homenagens a heróis locais. O historiador Marcelo Andrade resume: trata-se do “Dia da Independência da Bahia”, celebrado nas ruas com forte participação cívica e cultural. 

Por que o 2 de Julho é considerado a verdadeira data da independência do Brasil para muitos baianos?

O professor Rafael Nogueira destaca que Salvador foi uma das últimas e mais estratégicas fortalezas portuguesas no Brasil. Segundo ele, “o 7 de Setembro declarou a ruptura, mas o 2 de Julho consolidou a independência no campo de batalha”, conquistada com “sangue, resistência popular e articulação militar”. 

O historiador Marcelo Andrade complementa afirmando que “foi na Bahia que o conflito durou mais tempo e teve confrontos armados significativos”, e que os portugueses só foram definitivamente expulsos em 2 de julho de 1823. 

Qual era a situação política e militar do Brasil após o 7 de Setembro de 1822?

Apesar da proclamação da independência, o Brasil vivia uma realidade fragmentada. De acordo com o professor Rafael Nogueira, a separação de Portugal estava longe de ser consolidada. “A situação era de guerra. Poucos falam disso, mas é a mais nua e crua das verdades”, afirma. Províncias como Bahia, Maranhão e Pará ainda estavam sob controle das tropas portuguesas, e a disputa pela independência seguiu intensa até o segundo semestre de 1823. 

Marcelo Andrade destaca que o novo Estado enfrentava desafios em várias frentes: além dos conflitos armados, havia resistência política em regiões que continuavam leais a Lisboa. Enquanto províncias como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro aderiram rapidamente, outras mantinham vínculos com a metrópole. O historiador também aponta tensões entre projetos centralizadores, liderados por Dom Pedro, e propostas federalistas promovidas por líderes locais — tudo isso em meio a instabilidade econômica e à busca pelo reconhecimento internacional. 

Por que Salvador ainda estava sob controle português mesmo após a proclamação da independência?

Salvador era mais do que uma capital provincial: era um ativo estratégico para o Império Português. O historiador Marcelo Andrade explica que Portugal reforçou sua presença militar na cidade antes mesmo da proclamação da independência. “Era uma cidade portuária vital para o comércio atlântico e para o abastecimento de tropas e colônias portuguesas”, afirma. Por isso, Portugal estava determinado a mantê-la sob seu domínio. Andrade explica que a Bahia vivia um “clima de divisão política”: enquanto o Recôncavo Baiano apoiava a causa da independência, a capital estava fortemente controlada pelos portugueses, o que gerou uma guerra civil regional.

Já o professor Rafael Nogueira acrescenta que essa resistência tinha um plano geopolítico por trás. Segundo ele, as Cortes de Lisboa cogitavam transformar Salvador na sede de um novo Estado luso-americano. “Como Salvador já havia sido capital, bastaria recompor o status anterior”, explica. Nogueira menciona ainda que o comandante português Madeira de Melo e suas tropas mantiveram fidelidade a Portugal, criando uma situação de guerra prolongada e sangrenta — uma das mais intensas de todo o processo de emancipação.

Quando começaram os conflitos entre brasileiros e portugueses na Bahia?

“Os primeiros confrontos estouraram pouco depois do Dia do Fico, em 19 de fevereiro de 1822, com violentos embates em Salvador”, afirma o professor Rafael Nogueira. Foi nesse cenário que ocorreu o assassinato da freira Joana Angélica, morta por baionetas portuguesas ao tentar impedir a invasão do convento onde vivia. Ou seja, os choques armados começaram antes mesmo da declaração oficial da independência. A guerra, segundo ele, se arrastou por mais de um ano e só terminou com a vitória brasileira em 2 de julho de 1823. 

Quem eram os combatentes do lado brasileiro? Havia participação popular?

O Exército Libertador que enfrentou os portugueses na Bahia entre 1822 e 1823 era composto por uma surpreendente diversidade de combatentes. O professor Rafael Nogueira descreve a formação como “uma aliança tensa e improvável”, reunindo tropas locais, milicianos, voluntários civis, mercenários estrangeiros, líderes comunitários, senhores de terra e soldados recrutados tanto nas cidades quanto nos sertões. Baianos, pernambucanos, piauienses e cearenses marcharam juntos, com destaque para os integrantes da chamada Divisão Pacificadora. 

Entre os líderes militares, estavam nomes de fora do país: o comando terrestre coube ao francês Pierre Labatut, contratado por Dom Pedro I, enquanto o bloqueio naval decisivo foi conduzido pelo britânico Lord Cochrane. Essa frente multinacional, contudo, só foi vitoriosa graças ao apoio maciço da população. 

Segundo Nogueira, a participação popular foi essencial para o sucesso da campanha. “Camponeses, artesãos, ex-escravizados, soldados mestiços — todos participaram. A população apoiou a causa com recursos, víveres e sangue”, destaca. 

Marcelo Andrade reforça esse cenário ao lembrar que o Exército Libertador era composto por grupos sociais variados. Ele destaca que a mobilização popular foi ampla, incluindo libertos, indígenas e homens livres do interior. Andrade também relembra o papel do general Labatut na estruturação do cerco à capital baiana e cita o português Madeira de Melo como o comandante do lado oposto, então conhecido como “governador das armas” de Salvador. 

Como se deu a retirada das tropas portuguesas de Salvador em 1823?

A saída dos portugueses de Salvador foi o ponto final de uma longa campanha de resistência. Após meses de cerco imposto pelas forças brasileiras, a permanência das tropas lusitanas na cidade tornou-se insustentável. Sem suprimentos, munições ou possibilidade de reforço, os soldados enfrentavam fome, deserções e colapso moral. 

O professor Marcelo Andrade explica que, diante dessa situação, Madeira de Melo não teve escolha a não ser ordenar a retirada. “Em 2 de julho de 1823, os portugueses embarcaram apressadamente em navios ancorados na Baía de Todos-os-Santos. A frota levava cerca de 10 mil soldados, civis e simpatizantes de Portugal de volta à Europa”, relata. A retirada aconteceu sob vaias da população e tornou-se um marco definitivo da consolidação da independência na Bahia. 

Quantas pessoas morreram ou foram feridas nesses conflitos? Há estimativas?

O historiador Rafael Nogueira lembra que a guerra da Independência foi mais sangrenta do que costuma aparecer nos livros didáticos. Apenas na Batalha de Pirajá, travada em 8 de novembro de 1822, estima-se que os portugueses tenham perdido mais de 200 homens.

No conjunto dos combates travados na Bahia, o número total de baixas ultrapassa a casa dos milhares. “A guerra mobilizou mais de 50 mil combatentes e causou milhares de mortes, especialmente no Norte e no Nordeste”, destaca Nogueira, citando as estimativas do pesquisador Hélio Franchini Neto que, segundo ele, escreveu o melhor livro sobre o assunto, “Independência e Morte: Politica e Guerra na Emancipação do Brasil”.

Nogueira também chama atenção para o fato de que muitos dos mortos, como os da Batalha do Jenipapo, seguem até hoje sem nome e sem sepultura. Já o professor Andrade resume que as estimativas sobre o total de mortos e feridos ao longo do conflito variam entre 2 mil e 4 mil somente na Bahia, dependendo da fonte consultada.  

Quem foi Maria Quitéria e por que ela é tão lembrada?

Maria Quitéria de Jesus foi uma mulher-soldado que marcou a participação popular na luta pela independência. Segundo o professor Marcelo Andrade, ela se destacou pela coragem, disciplina e liderança em várias batalhas contra as tropas portuguesas no Recôncavo Baiano, demonstrando grande habilidade no manuseio de armas. 

O professor Rafael Nogueira acrescenta que Quitéria se disfarçou de homem para integrar o Batalhão dos Voluntários do Príncipe São Pedro. Sua bravura foi reconhecida oficialmente com a concessão da Imperial Ordem do Cruzeiro. Para Nogueira, ela representa o patriotismo e a superação de barreiras em um momento de incerteza sobre o futuro da nova nação.

Quem foi Irmã Joana Angélica e qual seu papel na luta?

Irmã Joana Angélica era abadessa do Convento da Lapa, em Salvador. Em fevereiro de 1822, quando tropas portuguesas invadiram o convento à procura de insurgentes, ela tentou impedir a entrada dos soldados e foi assassinada a golpes de baioneta.

De autoria de Joaquim José Insley Pacheco ou artista desconhecido do século XIX/XX representa Ir. Joana Angélica. Óleo sobre tela.“A morte de Soror Joana Angélica”. PACHECO, Joaquim José Insley (atrib.). Óleo sobre tela. (Foto: Salvador: Museu de Arte da Bahia, s.d. Óleo sobre tela.)

O professor Rafael Nogueira destaca que ela “se tornou um mártir fundacional da resistência baiana” e que foi a primeira mulher mártir da independência brasileira. 

Quais outros nomes se destacaram no processo de independência baiana?

Além de Maria Quitéria e Joana Angélica, o professor Marcelo Andrade lembra Maria Felipa de Oliveira, outra heroína da resistência na Ilha de Itaparica. 

Já o professor Rafael Nogueira cita outras figuras importantes, como Cipriano Barata, jornalista e intelectual defensor da emancipação; o francês Pierre Labatut, comandante das forças brasileiras; e vários líderes locais que articularam milícias e garantiram apoio popular, como Antônio Dias Coelho, da Câmara de Cachoeira. Para Nogueira, “o verdadeiro protagonista foi o povo baiano.” 

Como o governo imperial reagiu à vitória dos baianos sobre os portugueses?

O professor Marcelo Andrade lembra que a vitória dos baianos foi recebida com entusiasmo e alívio pelo governo imperial de Dom Pedro I. Foram organizadas festas cívicas e religiosas no Rio de Janeiro e em outras províncias leais ao Império, com muitas homenagens e condecorações para os combatentes. 

Por outro lado, o professor Rafael Nogueira ressalta que, apesar do júbilo, o Império agiu com cautela devido à importância estratégica da Bahia. O governo integrou rapidamente a província, mas também reforçou a centralização do poder no Rio de Janeiro. Lideranças locais foram prestigiadas, mas o projeto de unidade nacional de José Bonifácio incluía um controle político rigoroso sobre as províncias, inclusive aquelas que conquistaram sua independência com grande sacrifício. 

Por que a história do 2 de Julho foi apagada ou pouco ensinada fora da Bahia?

 “A verdade é que a guerra da Independência brasileira foi, por muito tempo, pouco conhecida até mesmo pelos historiadores”, afirma o professor Rafael Nogueira. Segundo ele, a historiografia passou a repetir versões simplificadas, baseadas nos documentos mais acessíveis e em narrativas oficiais. Enquanto isso, os combates reais eram esquecidos, prevalecendo a imagem de um “desquite amigável” com Portugal. “Hoje sabemos que a nossa Independência só se consolidou por causa da vitória militar, e o 2 de Julho, nesse contexto, é uma das datas mais decisivas da nossa história”, explica. Ele reforça que a guerra pela nossa independência “foi quase tão grande quanto as guerras de independência da América Espanhola, a Revolução Americana e até a Guerra do Paraguai”. 

Já o professor Marcelo Andrade conclui que a historiografia oficial, durante o século XIX e boa parte do século XX, foi construída a partir dos centros políticos e econômicos do país, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo. Portanto, segundo ele, Isso contribuiu para que o 7 de Setembro fosse colocado como o marco central da independência, enquanto eventos regionais como o 2 de Julho acabaram relegados a segundo plano. 

Qual o impacto cultural e histórico do dia 2 de julho para o país?

O professor Rafael Nogueira entende que o 2 de julho foi um dia decisivo para a consolidação da Independência. “Culturalmente, ele carrega a força simbólica de uma união improvável entre elites locais e povo comum: havia mulheres, homens, sertanejos, soldados, religiosas, camponeses, todos engajados na expulsão das tropas portuguesas de uma das cidades mais importantes do Brasil”, explica. 

A memória da data corrige a visão de que a Independência foi um ato isolado no Sudeste. Ao deslocar o eixo para o Norte e para o Nordeste, Nogueira reforça que o Brasil foi forjado também por guerras. “Se o país permaneceu unido, ao contrário da América Espanhola, foi em parte graças às vitórias dessa guerra esquecida”, expõe o professor. 

Independência ou Morte, por Pedro Américo, óleo sobre tela, 1888. (Foto: Domínio Público. Museu Paulista)

Ao tornar essa data nacional, Nogueira acredita que pode haver uma melhor conscientização sobre os mártires e os personagens heroicos do país. Com a ressalva de que o reconhecimento não concorra, nem obscureça, a data principal da nossa Independência: o 7 de Setembro.

“Sem a ação corajosa de Dom Pedro, sem sua recusa firme aos decretos de Lisboa e sem a centralidade de sua liderança, nem haveria guerra, tampouco nenhuma das vitórias teria sido possível, por óbvio. Ele quem deu o tom, o rumo e a autoridade moral para que a guerra inevitável começasse, e para que ela fosse vencida. Mas sozinho também não alcançaria êxito”, conclui. 

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