Ideias
A principal vítima da violência é o pobre

Ex-policial do Bope, escritor, consultor em segurança e palestrante, Rodrigo Pimentel é mais conhecido pelo público como o “Capitão Nascimento da vida real”.
Pimentel sempre fez questão de explicar que o clássico personagem de Tropa de Elite foi criado a partir das experiências vividas por ele e outros membros do Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro. Mas o interesse das novas gerações pela série, lançada há 18 anos e que ainda soa atual, jamais o dissocia do herói — objeto permanente de memes e imitações na internet.
Ainda assim, Pimentel tem vivido uma espécie de reinvenção nos últimos anos. Com a ajuda de um jovem editor de vídeos, ele intensificou sua presença nos meios digitais e ganhou uma renovada e expressiva audiência por meio dos chamados “cortes” (trechos curtos, editados principalmente a partir de podcasts, que destacam momentos-chave e facilitam o compartilhamento nas redes sociais).
“Em um ano e meio, passei de 60 mil para 725 mil seguidores. Alguns vídeos meus já chegaram a ter 12 milhões de visualizações. E é tudo orgânico, não pago para impulsionar”, afirma.
Estudioso das dinâmicas que envolvem a violência e a criminalidade no Brasil, Rodrigo Pimentel se posiciona ideologicamente no campo da direita — porém mantém diálogo com acadêmicos e políticos de esquerda que, como ele diz, “acordaram para a segurança pública”.
Em fevereiro, por exemplo, ele esteve em Maricá (RJ), a convite do polêmico prefeito petista Washington Quaquá, para discutir o tema e soluções para o município.
“Não voto no PT, não votaria no PT, mas queria que todos os prefeitos e governadores do Brasil tivessem olhos para a segurança pública. É bom saber o que os caras [da esquerda] estão pensando”, diz Pimentel, que também acompanha com atenção a situação caótica da segurança em dois estados governados pelo Partido dos Trabalhadores: a Bahia e o Ceará.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Pimentel falou sobre seu pessimismo com relação às políticas do governo Lula, as consequências perigosas das audiências de custódia no país, a união entre milicianos e traficantes, o surgimento de “narcopartidos” e a controversa “Lei Anti-Oruam”, entre outros assuntos. Veja a seguir.
Homicídios
De forma geral, os homicídios estão em queda no Brasil. Uma tendência que começou no governo do Jair Bolsonaro. E talvez essa tendência não tenha começado em função de políticas públicas, mas em função de sinalizações. Sinalizações de que a polícia estava mais empoderada, de que o Brasil iria tratar com mais energia a questão dos crimes.
Porque legislação boa nós não tivemos naqueles quatro anos. No auge do governo Bolsonaro, a gente tinha uma maioria no Congresso e não viu propostas de legislação.
A exceção foi o [deputado e atual secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme] Derrite lutando pelo fim da saidinha. Mesmo a questão do armamento da população civil não foi resolvida através de legislação, e sim através de decreto presidencial.
Então não posso dizer que o governo Bolsonaro produziu legislações eficientes, estudou segurança pública. Mas, efetivamente, nós começamos a ver uma tendência de queda de homicídios no Brasil nesse período.
Erros do judiciário
Há poucas semanas, nós vimos um juiz absolver duas pessoas que carregavam 400 kg de cocaína num avião porque entendeu que a abordagem foi ilegal. E você não verifica nenhum pronunciamento do Ministro da Justiça a respeito desse assunto, pelo menos para dar uma satisfação à sociedade.
Um juiz pode condenar de forma equivocada, mas um policial não pode realizar uma abordagem de um cidadão suspeito, que não seja criminoso, senão ele vai preso. Essas sinalizações não existiam no governo Bolsonaro. Eu sei que as polícias são estaduais, mas tudo se resume a um clima que você vai criando.
Acho que o maior feito do governador [de Goiás, Ronaldo] Caiado foi dizer: “Bandido, ou você muda de estado ou muda de emprego”. Além disso, ele mesmo pega o telefone e parabeniza o policial quando o cara resolve uma ocorrência importante.
Isso gera um efeito motivador muito grande. Já o ministro Ricardo Lewandowski, o ministro Fávio Dino, eles não se comportam assim. Lembrando que o Lewandowski não esconde o fato de ser desencarcerador.
Esquerda x segurança pública
Existem políticos de esquerda que estão começando a perceber que a principal vítima da violência é o pobre de periferia. E no dia em que a esquerda brasileira realmente acordar para isso, talvez a direita nunca mais ganhe uma eleição.
Imagina o Lula dizendo: “Não vou admitir mais barricada no Brasil”? Ou dizendo: “Não vou admitir que uma idosa no ponto de ônibus seja roubada por um bandido de fuzil”? Se ele junta isso com o Bolsa Família, fica para sempre no poder.
Mas eu não quero isso não, viu? Quero que eles continuem patinando na segurança.
Oportunismo
Em 2024, a gente viu a deputada federal Tabata Amaral (PSB), que é de centro-esquerda, votar pelo fim das saidinhas. E a Maria do Rosário (PT), que sempre foi uma deputada muito atuante na questão dos direitos humanos, também. As duas inclusive contrariaram a posição do presidente Lula e do ministro Ricardo Lewandowski.
Mas olha que incrível: as duas estavam em campanhas para cargos majoritários, de prefeitas [Tabata em São Paulo e Maria do Rosário, em Porto Alegre]. Isso é oportunismo total.
Em outra frente, a gente vê governadores que estão recebendo informações de institutos de pesquisa que sinalizam que a preocupação do brasileiro é de fato a violência urbana. Aí você vê um Eduardo Paes, por exemplo, dizendo que vai conhecer pessoalmente o [presidente Nayib] Bukele em El Salvador.
O Paes que é de um partido ligado ao governo, o PSD, que votou contra a o fim da saidinha. Dá vontade de rir, né?
PEC da Segurança Pública
Os governadores estão acovardados. Eles têm de aderir à PEC porque precisam receber as verbas do Governo Federal. Mas você pode ouvir 450 policiais, e todos vão dizer que a PEC não muda em nada o dia a dia deles. Não tem nada ali que favoreça a investigação policial, a prisão de bandidos. Aquilo é um grande nada.
O Lewandowski quer uma padronização de meios e de ações que, minha opinião, também não é bem-vinda. Porque o Brasil tem 27 realidades distintas. O que o Amapá precisa não é o que o Rio Grande do Sul precisa.
Solução técnica
Mas eu começo a perceber que muitos governadores estão colocando as manguinhas de fora. Inclusive alguns do PT.
A equipe técnica do Jerônimo [Rodrigues, governador petista da Bahia] falou: “Pelo amor de Deus, para com essas ideias [propostas pelo Ministério da Justiça] aqui. A gente sabe o que tem de ser feito”. E a Polícia Militar da Bahia está conseguindo, pela primeira vez em 14 anos, reduzir os homicídios, porque está enfrentando mais o bandido.
O que tem que ser feito é prender muito. E, se necessário, matar. Não estou pregando a morte, pelo amor de Deus. Mas a morte vem da quantidade de abordagens policiais realizadas.
“Bukelização”
Quando um governador começa a ouvir o óbvio de sua equipe técnica — que não é formada pelo acadêmico de Sociologia, pelo professor da USP, pelo aluno de Direito da universidade federal —, ele muda de percepção.
Tenho certeza que um fenômeno Bukele no Brasil, aquele cara que vai levantar e falar “Não está dando mais, temos que mudar a regra do jogo”, vai surgir em um estado do Nordeste que está à beira do caos. E à beira do caos no Brasil hoje nós temos Ceará e Bahia.
Os dois “PTs”
Uma vez, um político do PT disse para mim que existem dois tipos de eleitores do PT. Existe o petista universitário, branco, “pensador”, que vive nos bairros mais abastados das capitais. E tem o petista da periferia, que é assaltado e odeia bandido.
O petista da periferia não pensa como o Lewandowski, como o Dino, como as pessoas da academia com quem o Lula está se abraçando. Essas pessoas convencem o Lula de que o roubo de celular é algo menor, menos grave. Mesmo sabendo que a maioria absoluta das pessoas que têm celulares roubados são pobres.
Indicadores de violência
A gente tinha que acabar com o indicador de homicídio e ter um único indicador, o roubo de rua. E perguntar para a população o tempo todo: “Você sente que a sua cidade está mais segura?”. São pesquisas de vitimização, tem uma ciência por trás disso.
Vou dar o exemplo de Teresópolis, na região serrana do estado do Rio. A cidade tem 165 mil habitantes e está há 13 meses sem roubo de carro e de moto. Não estou falando de furto. Estou falando de roubo, com pistola na cabeça.
Teresópolis também está há três anos sem latrocínio, o roubo com morte. Ou seja, é um lugar com padrão de segurança alto, igual Lisboa.
Aí alguém pode dizer: “Mas Teresópolis teve 11 homicídios na periferia nos últimos 12 meses”. Sim, mas foi por disputa territorial para a venda de maconha e cocaína. Porque as facções se matam o tempo todo.
De forma geral, as mortes por disputa de território não impactam a família de um camarada que vai ao domingo na igreja ou no culto, que acorda cedo para trabalhar. Por isso a gente tem que medir a violência através do número de roubos.
Audiências de custódia
O Brasil perdeu o controle na questão da audiência de custódia. A audiência de custódia para quem é preso roubando celular, por exemplo: ela praticamente franqueia o direito do bandido de roubar de novo.
Veja o caso daquele menino que veio ao Rio ver o show da [cantora americana] Taylor Swift e morreu. O assassino foi preso de manhã por roubo, liberado depois de uma audiência de custódia e matou o menino à noite.
Isso gera uma sensação evidente de impunidade no país. Isso faz disparar a percepção do medo. E ninguém mais acredita que o Brasil está caminhando no sentido certo da segurança pública.
Desigualdade x violência
Não existe relação nenhuma entre desemprego e violência, entre desigualdade social e violência. Existe, sim, uma relação entre impunidade e violência.
Não conheço o Jaques Wagner, ex-governador [petista] da Bahia, não quero puxar o saco dele. Mas, no governo do Jaques Wagner, foram gerados 680 mil empregos de carteira assinada e 1,2 milhão de baianos saíram da linha da miséria.
Por outro lado, ele recebeu o governo com 3.331 assassinatos por ano e passou o cargo para o Rui Costa [também do PT] com 6.770 homicídios por ano. Ou seja, a Bahia dobrou o número de homicídios, apesar dos avanços sociais.
Narcopartido
Na última eleição municipal, em João Pessoa, a Polícia Federal prendeu a esposa do prefeito [Cícero Lucena (Progressistas)]. Segundo a investigação, eles tinham fechado com uma facção, chamada Nova Okaida. Só políticos do partido do prefeito poderiam buscar votos em determinadas regiões da cidade.
Não conheço o prefeito e não confio tanto assim na Polícia Federal. Mas, se for verdade, nós já temos em João Pessoa um narcopartido e um narcoestado. Agora imagina o que acontece em uma área de milícia no Rio de Janeiro, onde isso que estamos falando é absolutamente consagrado?
Milicianos x Traficantes
A esquerda quer achar que a milícia é formada por policiais militares ligados ao Bolsonaro, aos conservadores. E que todo mundo do Comando Vermelho é pobre, negro, favelado, vítima da sociedade. Mas isso é esquizofrenia, loucura.
Quem acompanha a dinâmica da violência sabe a que milícia e o Comando Vermelho se fundiram em muitas regiões do Rio de Janeiro. Ambos promovem a morte, vendem cocaína e maconha, estabelecem domínio territorial, controlam a venda de gás, de internet e de outros produtos e influenciam a política.
Milicianos x Traficantes 2
Participei de um evento na Universidade do Estado do Rio Janeiro (UERJ) em que uma pesquisadora apresentou um trabalho, por sinal muito bem feito, sobre a forma de domínio territorial das milícias do Rio de Janeiro.
No meio da apresentação, um jovem morador de uma favela dominada pelo Comando Vermelho levantou a mão e disse: “Onde eu moro não tem milícia, lá é Comando Vermelho. Mas é tudo exatamente igual ao que a senhora colocou aí”.
E ela ficou com cara de b*, porque queria vender uma informação de que as milícias são malvadas, exploram o morador. O que é verdade. Mas o Comando Vermelho faz igual.
“Lei Anti-Oruam”
Quando li a primeira vez sobre a ”Lei Anti-Oruam”, eu nem sabia que ela vinha do MBL, do deputado Kim Kataguiri (União-SP), que eu acho um cara inteligente. Mas, achando ou não a lei necessária, vamos à prática: ela é inviável, inexequível.
O Brasil não tem censura prévia. Então é impossível para um contratante saber se aquilo que o artista canta é apologia ao crime ou não. Se é tipificado no Código Penal, é crime. Se é crime, precisa ter um inquérito policial, um processo penal, uma decisão em primeira instância, em segunda, em terceira. Então eu vou descobrir se aquilo é apologia de acordo com a lei daqui a 11 anos.
Quem propôs isso está enganando o pobre do eleitor. Está mentindo, quer “lacrar”, dizer que está preocupado com o tema.
Bailes funk
O objetivo do baile funk nas periferias do Rio de Janeiro, desde a sua origem, sempre bancado por facções, era aumentar o mercado consumidor. O objetivo era ter gente para consumir cocaína e maconha.
E o morador das comunidades odeia o baile funk. Porque ele não consegue dormir, porque a filha dele é assediada, porque ele não tem paz. A conversa deveria ser nesse nível: libertar o morador de uma tragédia que se chama baile funk.
É preciso enfrentar o baile nas comunidades porque ele não é razoável. Enfrentar através do ordenamento urbano, da recuperação do território. E não porque a música ali é horrível, é uma apologia de m*.
Se quiserem fazer baile funk num ginásio, cobrando ingresso, problema de quem quer pagar. É como quem quer ver o show do Léo Lins. A pessoa vai porque está pagando. Ninguém é obrigado a ver. Eu penso sempre na liberdade de expressão.
Municipalização
O produto contrabandeado mais vendido no Brasil é o cigarro paraguaio. Agora pensa que os estabelecimentos comerciais têm uma autorização do município para funcionar.
Se um prefeito disser “Aqui as facções não vão mais vender cigarro paraguaio. O boteco, o bar, o restaurante que vender vai perder o alvará”, vai ajudar muito a polícia. E o mesmo poderia acontecer em outras áreas, como os ferros-velhos.
Por isso cobre do seu prefeito ações na área de segurança pública. Não o deixe passar oito anos, como o Eduardo Paes (PSD-RJ), dizendo “Isso não é comigo”.
Candidatura em 2026?
Não, de jeito nenhum. Você pode ser o melhor cara do mundo. Mas, quando vira deputado, passa a se preocupar mais com leis que vão “lacrar”, dar visibilidade. Se eu virar deputado federal, tudo que eu falo perde credibilidade. Além do mais, ninguém no Brasil quer ouvir um deputado (ri).