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Eu Sou tem início arrastado, falho e caricato

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Eu Sou tem início arrastado, falho e caricato



A febre de filmes e séries biográficos fez mais uma vítima: Raul Seixas. Produção original Globoplay em parceria com a O2 Filmes, o seriado Raul Seixas: Eu Sou chega ao streaming da Globo na próxima quinta-feira, 26, com a promessa ambiciosa de retratar um personagem tão complexo como o cantor baiano, falecido em agosto de 1989 e aqui interpretado por Ravel Andrade.

A julgar pelos dois primeiros episódios, assistidos em primeira mão pela Rolling Stone Brasil, o objetivo não é alcançado. A obra criada por Paulo Morelli, que divide a direção com Pedro Morelli, soa caricata e simplista — pecados cometidos pela maior parte das produções biográficas de artistas musicais.

Após uma curta abertura referenciando a situação onde, alcoolizado, foi confundido com um impostor durante seu próprio show em 1982, o primeiro episódio retrata de modo breve a infância de Raul Santos Seixas, que, conforme repetido por sua mãe, estudava para virar diplomata — algo declarado a uma criança, o que nem faz sentido. O foco do capítulo inaugural, mesmo, é mostrar o início da trajetória artística de Raul, que deixa Salvador junto da namorada/esposa Edith Wisner (Amanda Grimaldi) e dos colegas de sua primeira banda, Os Panteras, para tentar a vida como músico no Rio de Janeiro. Não dá certo, e ele passa a trabalhar como produtor da gravadora CBS, mas logo estabelece vínculo paralelo com a PolyGram para lançar seus trabalhos como cantor e compositor.

Já o segundo capítulo apresenta o início da relação de Seixas com seu principal parceiro criativo, o escritor Paulo Coelho (João Pedro Zappa), à época imerso na cultura hippie e no ocultismo. De abordagem mais vanguardista e experimental, Coelho resiste para aceitar o convite para trabalhar com Raul, mas acaba topando e ambos se influenciam. Krig-ha, Bandolo! (1973), primeiro álbum do baiano como artista solo, chega a público, mas o sucesso comercial não é exatamente retratado, ao menos a essa altura.

Apesar do capricho na fotografia e na trilha sonora, bem como a tentativa de se aprofundar na história com uma série em vez de um filme, Raul Seixas: Eu Sou sofre de problemas básicos. Em nenhum momento as interpretações de Andrade e Zappa ajudam a oferecer imersão e por vezes soam forçadas. A “culpa” deve ser compartilhada com seus roteiros, que trazem diálogos pouco naturais e excessivamente didáticos, mais próximos de uma novela do que de um seriado. O resultado é arrastado, especialmente no episódio dois.

Raul, reforça-se, é um personagem complexo, recheado de camadas. Ao longo especialmente do primeiro capítulo, porém, acaba retratado como alguém de pouca profundidade que apenas deseja se tornar um músico famoso a qualquer custo. É sabido que ele tinha muito mais a oferecer do que isso — e algumas dessas características, inclusive, o ajudaram a se tornar um produtor celebrado antes de seguir para sua própria trajetória artística. Apresentar seu êxito artístico nos anos 1970 e sua conhecida derrocada na década de 1980 sem deixar claro quem era o homem por trás da lenda muito provavelmente comprometerá, também, os episódios seguintes.

Há, ainda, alguns erros crassos de cronologia e ambientação. Um deles ocorre quando Seixas canta “Let me Sing, Let me Sing” no Festival Internacional da Canção de 1972. A performance é acompanhada de uma espécie de camarote pela formação original d’Os Mutantes, com Rita Lee vestida de noiva. O grupo até participou dessa edição do evento, mas Rita não adotou o traje nupcial e, prestes a romper com os parceiros, certamente não assistiria àquela apresentação tão empolgada ao lado de Arnaldo Baptista e Sérgio Dias. Outro deles se dá em meio ao show de Raul no Phono 73, com pessoas fazendo “chifres” com as mãos em 1973 — generosos anos antes do gesto se popularizar no meio do rock e heavy metal. A sessão de gravação de “Mosca na Sopa”, com vários convidados, mostra-se outro momento desconexo da realidade ao trazer o artista gravando seus vocais como se estivesse fazendo um show.

Mostra-se inevitável a comparação com Homem com H, recente cinebiografia de Ney Matogrosso. Os elogios ao filme dirigido e roteirizado por Esmir Filho não vêm à toa: mesmo dispondo de bem menos tempo do que uma série, o longa disponível nos cinemas e na Netflix capricha nos detalhes e puxa o público para dentro da história. Raul Seixas: Eu Sou, infelizmente, não tem o mesmo cuidado, ao menos em seus dois episódios iniciais. Como tantas outras produções Globoplay, parece ter sido feita não para o streaming, mas para preencher a programação da TV pós-novela das 21h em alguma semana sem futebol.

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