Música
‘O tempo é finito e seu tempo de atuação é finito’

Quando a pandemia paralisou completamente a indústria da música ao vivo em 2020, Bruce Springsteen se viu em casa com muito tempo livre. Ele decidiu aproveitar bem esse tempo mergulhando em seu imenso acervo de músicas inéditas, resgatando sete álbuns completos que havia engavetado entre 1983 e 2018, e reunindo-os em Tracks II: The Lost Albums, que conta com impressionantes 74 músicas que a maioria dos fãs mais dedicados nunca ouviu.
“Se você olhar para eles como um grupo, são meio que gêneros nos quais eu ainda não tinha mergulhado completamente”, diz Springsteen por Zoom de sua casa em Wellington, na Flórida, observando que os álbuns exploram desde Western swing até pop dos anos 1960 inspirado em Burt Bacharach. “Eles eram todos meio que peças fora do lugar, e o que você faz com isso? Eu não sabia. Então foi assim que acabamos resolvendo o problema.”
Uma alta porcentagem dessas músicas foi gravada nos anos 1990, frequentemente vistos como um período perdido para Springsteen, já que ele lançou apenas um álbum de estúdio — The Ghost of Tom Joad, de 1995 — entre 1992 e 2002. “Isso foi por uma variedade de razões”, diz Springsteen, que está em turnê pela Europa neste verão, e conversou conosco antes de seus comentários contra Trump na noite de abertura da turnê gerarem um tenso bate-boca com o ex-presidente. (Springsteen preferiu não comentar sobre o episódio.)
“Nossos filhos eram muito pequenos exatamente naquele momento. E eu também não tinha nenhum interesse, de fato, em trabalhar com a banda. Eu me sentia esgotado com tudo aquilo, naquele ponto específico no tempo. Mas eu estava trabalhando em música o tempo todo. Só não estava lançando.”
Em uma entrevista abrangente à Rolling Stone, Springsteen mergulha fundo em Tracks II: The Lost Albums, explica por que nunca ficou satisfeito com Born In The U.S.A. (1984), revela que já tem um novo álbum pronto para o próximo ano, solta uma revelação sobre as lendárias fitas de Electric Nebraska, e explica por que ainda acredita nos Estados Unidos.
O box começa com L.A. Garage Sessions ’83. Ninguém sabia que você havia gravado um álbum inteiro entre Nebraska e Born in the U.S.A.
Eu gostei da gravação e da experiência de Nebraska, e achei que poderia continuar nessa linha com uma pequena seção rítmica, ainda bem lo-fi, e um novo grupo de músicas. Na época, eu não sabia exatamente para onde estava indo com Born in the U.S.A.. Eu tinha metade do álbum, mas não tinha a outra metade. Então foi apenas um disco que aconteceu no meio desses dois.
Antes de Nebraska, você nunca havia gravado um álbum fora de um estúdio. Deve ter sido algo muito libertador.
Eu estava bem menos inibido, então era muito mais experimental. Quando você vai ao estúdio, está toda a banda lá, todos os produtores também. É um ambiente muito formal, e eu descobri que isso tendia a me tornar conservador em certos aspectos. E então Nebraska realmente rompeu esse teto — eu introduzi um elemento de risco que antes não fazia parte do meu processo de gravação. Quis continuar com isso, continuar sentindo essa liberdade no estúdio, e por isso comecei a gravar em casa com mais frequência.
Você diz no encarte que “não estava satisfeito” com Born in the U.S.A. e que ele “não se conectou” como os outros álbuns. Por quê?
Foi um disco que lancei. Ele se tornou o disco que fiz, não necessariamente o disco que eu queria fazer. Eu queria pegar Nebraska e fazer um álbum completo que tivesse um pouco daquela mesma sensação. Se você ouve “My Hometown” e “Born in the U.S.A.”, elas eram meio que os dois extremos que eu pretendia. E o resto era… só o que eu tinha na época. Eram as músicas que escrevi. Eram as músicas que gravei.
Do conceito à execução, não foi necessariamente o disco que eu tinha planejado na minha cabeça — mas é assim que a criatividade funciona. Você entra no estúdio com uma ideia. E nem sempre é com essa ideia que você sai. Então essa foi apenas a situação pessoal daquele disco para mim.
Fico um pouco surpreso em ouvir isso. Sempre entendi Born in the U.S.A. como relatos de várias pessoas deixadas para trás pelos EUA de Ronald Reagan. Como ouvinte, ele parecia coeso.
Acho que sim, para muita gente também. Suponho que talvez eu estivesse procurando algo mais sombrio. Mas, fora isso, os temas de Nebraska estão lá — em “Downbound Train”, por exemplo — estão presentes, apenas um pouco disfarçados como música pop.
Você sentiu alguma pressão da gravadora, depois de “Hungry Heart”, para criar músicas menos como Nebraska e mais voltadas para o rádio?
Não, eu tive sorte no meu relacionamento com a Sony durante todos esses anos. Nunca recebi nenhuma pressão para fazer algo que não fosse exatamente o que eu queria fazer.
“The Klansman” é uma música arrepiante. Está na mesma linha de “Johnny 99”, onde você escreve do ponto de vista de alguém realmente vilanesco.
Eu faço isso de vez em quando. Esse foi o caso de Nebraska. E essa foi uma escolha particularmente arriscada. Eu estou cantando na voz de um membro da Ku Klux Klan. A música é sobre como o ódio e a toxicidade são passados de geração em geração.
Queria falar rapidamente sobre seus álbuns Human Touch e Lucky Town. Quando você foi incluído no Hall da Fama em 1998, disse: “Tentei escrever músicas felizes no começo dos anos 1990, e não funcionou. O público não gostou.” Pode explicar o que quis dizer com isso?
Nos sites de fãs, em geral, Human Touch é um disco que não recebe muito respeito, embora eu realmente goste bastante dele, e ele tenha algumas ótimas músicas como “Roll of the Dice”, “Human Touch” e “Real World”. Acho que as pessoas tiveram algumas reservas quanto à produção — talvez elas estivessem certas, talvez não. Eu não sei, mas é o que é.
Então, eu estava meio que tirando sarro disso. Na verdade, Lucky Town saiu praticamente do jeito que eu queria, e acho que é um disco ótimo. Mas eu estava brincando com a forma como ele foi percebido pelo público.
E acho que o fato de ter sido gravado sem a E Street Band também influenciou muito na percepção dos fãs, então isso também teve impacto. Os discos não foram bem programados, eu diria.
Há um álbum inteiro em Tracks II construído em torno de loops de bateria. O que te atraiu nesse som?
“Streets of Philadelphia”. Eu montei um pequeno loop de bateria para essa música. Gostei de como funcionava. Ele interagia com os sintetizadores, que era um instrumento com o qual eu estava começando a compor. E então, o passo natural depois disso foi dizer: “Bom, vou tentar criar um álbum inteiro com esse som básico de sintetizadores e loops de bateria.” E foi isso que eu fiz.
Como os loops foram criados?
Alguns eu criei sozinho, e outros vinham de CDs que meu engenheiro trouxe. A gente escutava juntos, e eu dizia: “Esse é legal” ou “Esse aqui é bacana. Vamos tentar esse. Deixa eu tentar compor em cima disso.”
Os fãs já chamaram esse de seu “álbum hip hop”, mas isso não é exatamente verdade.
Sim, não é isso. Eu usei loops de bateria, mas acho que quando as pessoas ouviram os loops, imediatamente associaram ao hip-hop. Mas não. É basicamente um disco que usa loops e sintetizadores.
Como os loops de bateria mudaram seu processo de composição?
Loops de bateria têm algo hipnótico, eu acho. Então, muita música desse disco tem essa vibe — bem sonhadora. A combinação dos sintetizadores com os loops gerou um som meio escuro, etéreo. E tem bastante disso nesse álbum.
Por que o disco não foi lançado?
O Bob Clearmountain mixou. Eu tinha o álbum em casa. Estava no processo de montar a ordem das faixas. Mas nunca consegui encontrar a sequência certa, e fiquei… Eu tenho essa conversa contínua com meus fãs há 50 anos, e tento respeitá-la o máximo possível. E uma das formas de respeitar isso é mantendo o contexto da conversa aberto. Então eu pensava: “Bom, não sei…”. Depois de três discos sobre relacionamentos e considerando a natureza desse álbum, pensei: “Será que isso está fechado demais nesse momento? É a hora certa?”
Muitos dos meus lançamentos dependem de timing, e esse foi um dos casos em que, para o bem ou para o mal, achei que o momento não era o certo.
Boa parte das letras é bem sombria, o que é interessante, porque era um momento feliz na sua vida.
Sim, essas coisas nem sempre andam juntas. As pessoas tendem a achar que compositores estão sempre escrevendo de forma autobiográfica. Mas, no meu caso, isso geralmente não é o ponto. Eu vou para geografias completamente diferentes na minha cabeça. Às vezes encontro uma veia criativa que gosto, e fico nela por um tempo.
O álbum Somewhere North of Nashville foi feito ao mesmo tempo que The Ghost of Tom Joad. Como isso funcionava?
Eu gravava ele à tarde com frequência, e o Tom Joad, com seu material mais sombrio, eu gravava à noite, achando que ambos fariam parte do mesmo disco.
Quando percebeu que precisava lançar apenas um?
Bem, se você ouvir “Repo Man”, ela não encaixa bem com “Straight Time”. Então ficou claro bem rápido que eu estava fazendo dois álbuns. E quando tentei juntar tudo, para um disco duplo ou único, simplesmente não funcionava. Então cortei o material e mantive o que soava coeso — que foi o The Ghost of Tom Joad.
Marty Rifkin está incrível nesse disco.
Marty Rifkin é um baita guitarrista de pedal steel, um dos melhores do país. Ele tocou comigo na turnê do Seeger Sessions. Ele está fantástico nesse álbum. Um recurso secreto, mesmo. É um músico incrível, um cara maravilhoso — e realmente brilha em Somewhere North of Nashville.
Muito dessa música foi feita nos anos 90, mas quase não se ouvem sons “noventistas” nesses álbuns. Muitos dos seus contemporâneos incorporaram grunge ou alternativo. Você nunca seguiu essas tendências.
Acredito que você é quem você é. E correr atrás de tendências, pelo menos para mim, nunca combinou com quem eu sou. Eu trabalho de dentro pra fora, não de fora pra dentro. E acho que é isso que dá intensidade e pessoalidade à minha música.
Isso faz com que a música não fique presa no tempo.
Você pode tocar “Racing in the Street” ao lado de algo do Tom Joad ou de qualquer coisa que escrevi desde então, e ela vai se encaixar. Sempre quis escrever sobre temas atemporais: família, trabalho, espiritualidade, amor, sexo… coisas que fazem parte da vida das pessoas. E esse é o caminho que sigo até hoje. Como eu disse: de dentro pra fora.
O que te atraiu nos sons de mariachi em Inyo?
A gente tem uma fazenda desde o começo dos anos 90, e eu estava escrevendo algumas músicas ambientadas no México. Um assistente meu que me ajudava com pesquisas disse: “Tem um charro que se mudou para New Jersey, ele mora no apartamento acima do meu.”
Eu disse: “Sério?” Ele respondeu: “Sim. Uma garota de New Jersey foi ao México, conheceu o campeão nacional de charros de 1994 e trouxe ele de volta pra cá. É um dos cavaleiros e laçadores mais incríveis que já vi.”
Eu disse: “Traz ele aqui pra casa.” Ele veio, e acabou trabalhando na fazenda comigo por cinco anos. Nos ensinou a montar, a laçar, a fazer truques com corda. Um cara incrível.
Nos nossos eventos de colheita, ele dizia: “Conheço uma banda mariachi sensacional.” E eu dizia: “Traz pra cá.” E ele trazia essas bandas incríveis que tocavam nas festas. Acabei me apaixonando por esse som assim. E tinha algumas músicas que achei que combinariam bem com isso — e foi assim que elas entraram no disco.
Quão perto esse disco chegou de ser lançado?
Nem tanto. Eu até lancei Devils & Dust [com algumas músicas desse período], mas ainda tinha bastante material guardado. Sabia que as músicas eram boas. Mais uma vez, era uma questão de timing. Então ficaram no baú até que, na pandemia, tive tempo para reunir tudo.
Em Perfect World, há várias músicas que você compôs com Joe Grushecky. Ele é um dos poucos compositores com quem você já colaborou. O que te atraiu nele?
Sempre gostei das músicas dele e sentia que tínhamos algo em comum nas raízes — ambos vindo da classe trabalhadora, e ele escrevia muito sobre isso. E o Joe também era muito persistente. Ele me mandava letras direto. Acho que a maioria delas eu compus para ele gravar, e produzi o álbum dele (American Babylon).
Ele me mandava as letras, eu escrevia a música e devolvia. Viramos grandes amigos, como ainda somos. Não escrevemos muito juntos, mas quando acontece, é sempre divertido. Em geral, eu não componho com outras pessoas.
Ao fim da turnê de reunião da E Street Band, vocês já estavam tocando músicas novas — “American Skin”, “Land of Hope and Dreams”, e algumas com o Joe, como “Code of Silence”. Você planejava um novo álbum com a banda por volta de 2000?
Depois da turnê de reunião, minha ideia era: “Ok, agora precisamos fazer um disco se formos continuar.”
Fui ao estúdio com “American Skin”, “Land of Hope and Dreams”, e outras, e gravamos algumas coisas — mas simplesmente não estava bom. A equipe de produção com quem trabalhei por muitos anos já tinha cumprido seu ciclo. Era hora de alguém novo, com ideias frescas e um som mais atual para aquele momento.
Esse cara foi o Brendan O’Brien — um produtor tremendo, ótimo sujeito. Tive ótimos momentos com ele, e ele foi essencial para nos dar nosso som moderno. Depois também trabalhei com o Ron Aniello — outro produtor excelente. Quando comecei a trabalhar com Brendan, as músicas vieram, e The Rising nasceu disso. Depois vieram Magic e Working on a Dream. Ele também me ajudou a finalizar Devils & Dust.
Diferente dos outros, Perfect World não era um álbum completo na época.
Sim, esse foi o único que eu não concebi como um disco. Eram só músicas que eu tinha — sem saber onde iam parar. Quando pensei nesse projeto, pensei: “Tem bastante coisa aqui, mas não tem rock. E sei que tem fãs meus que curtem rock.” Então pensei: “Talvez eu devesse montar algo com isso.” Peguei esse grupo de músicas e montei o disco com esse material.
Você se arrepende de não ter lançado esses álbuns nos anos 1990?
Na verdade, é divertido lançar tudo junto nesse projeto porque é incomum — e, honestamente, acho que esse é o contexto certo pra eles. Então, não, não me arrependo.
Em algum momento nos anos 1990 você começou a duvidar de si mesmo, achando que sua carreira estava escapando?
Não realmente. Sempre dizia, lá nos anos 70, quando estava no meio de grandes processos judiciais: “Ok, alguém pode tirar seus direitos autorais, seus discos, seu dinheiro — mas pode me jogar de paraquedas em qualquer lugar dos EUA, ou até do mundo, que eu vou achar o bar mais próximo e iluminar a noite de alguém.”
Isso está em mim. Nunca se perde.
Nos anos 90 eu entendia isso. Lembro de uma conversa com o Jon Landau, em que eu disse: “Esse disco não foi tão bem. Mas, Jon, agora não é a nossa hora. É a hora de outro.”
Se você quiser ter uma carreira longa, vai haver períodos em que é sua vez — e outros em que não é. E você tem que aceitar isso e seguir em frente, trabalhando.
Você já sentiu que o sucesso de Born in the U.S.A. ficou grande demais? Foram sete hits. Você estava quase tão grande quanto Michael Jackson. O boné vermelho, o jeans, a bandeira — viraram uma imagem icônica que te acompanha até hoje.
Eu não estava interessado em continuar com aquilo. Fiz na época, mas não queria tentar correr atrás daqueles cavalos de novo. Sempre vi como “aquilo foi uma coisa única”. E voltei imediatamente às minhas raízes de cantor-compositor com Tunnel of Love.
Nunca achei que aquilo fosse definir minha carreira — e, para ser sincero, nem queria. Não me preocupava em vender menos, porque nunca estive muito preocupado em vender tanto assim.
Então foi só um momento interessante. Desafiador. No geral, curti bastante.
Até hoje, se alguém quer me imitar, geralmente coloca aquela roupa. Ainda vejo isso nos meus shows — jovens de 20 e poucos anos com a bandana e a regata. Hoje em dia, é até encantador. Não me arrependo de nada. Foi uma ótima experiência, mas nunca foi algo que eu considerei uma carreira.
E depois daquilo, não havia como ir ainda mais longe. Você sabiamente nem tentou.
Minha atitude sempre foi: nunca quis ir maior. Sempre quis ir mais fundo. É assim que conduzi minha carreira.
Me fale sobre Faithless. Esse disco realmente surgiu do nada. Ninguém sabia que ele existia.
Foi um disco incomum. Fui chamado para compor algumas músicas para um filme de faroeste. Eu estava na Flórida com minha filha e, em duas ou três semanas, escrevi o álbum inteiro. Voltei pra casa e gravei tudo em, sei lá, uma ou duas semanas — muito rápido — na sala de estar da casa ao lado da minha, que eu estava usando como estúdio temporário. E foi isso.
Fiquei com o disco guardado, esperando o momento em que talvez o filme saísse. Mas isso nunca aconteceu.
Depois de uns 20 anos, pensei: “Talvez eu mesmo devesse lançar isso. Quem sabe ainda vire filme?” Mas achei que esse box era o lugar certo pra ele. A Patti sempre amou esse disco e dizia: “Você tem que lançar isso.” É uma seleção única de canções — e fico feliz que esteja nesse pacote.
Como você entrou na mente desses personagens? Leu um roteiro?
Havia um livro, e havia um roteiro.
Imagino que você não queira dizer o nome do diretor, né?
Correto.
Vamos falar sobre Twilight Hours. Tem muita semelhança com as músicas de Western Stars, mas ainda assim são distintas.
Bom, se Western Stars pende mais para algo como Jimmy Webb e música country, Twilight Hours se inclina mais para Burt Bacharach e a tradição clássica da canção americana.
Se você ouvir “Sunday Love”, “September Kisses” ou “Late in the Evening”, são músicas que você poderia imaginar o Sinatra cantando, ou Andy Williams, Jack Jones, qualquer um dos crooners dos anos 50 e 60. É material que eles poderiam ter usado. Tem essa vibe meio Mad Men da música pop. Então, nesse sentido, ela difere bastante de Western Stars. Mas algumas músicas como “High Sierra” poderiam facilmente estar em Western Stars, talvez até “Sunliner”.
Usei progressões de acordes que nunca tinha usado antes, e isso me permitiu explorar estruturas harmônicas um pouco mais sofisticadas do que costumo usar na maior parte da minha música.
Você pensou em lançar Western Stars e Twilight Hours como um álbum duplo?
Pensei, sim, e decidi não fazer. Normalmente, quando componho muito de uma vez — especialmente se estamos falando de 40 músicas — sempre penso: “Talvez isso deva ser um álbum duplo.” Mas acabo optando por algo mais compacto e intenso.
“High Sierra” é uma música impressionante. Pode falar sobre ela?
Provavelmente eu deveria ter colocado em Western Stars de algum jeito, e quase consegui. Fiquei tentando encaixar de um jeito, de outro, e por algum motivo, não aconteceu. Acho que já havia outras músicas com o mesmo clima naquele disco. Muitos personagens lidando com o isolamento americano. Tinha “Drive Fast (The Stuntman)”, “Western Stars”, “Tucson Train”, “Stones”…
Muitos personagens solitários. Talvez High Sierra tivesse pesado demais a balança nesse sentido, ou achei que seria mais valorizada no contexto de outro disco. É uma das minhas músicas favoritas do pacote todo.
Você tocou Western Stars inteiro naquele show no seu celeiro para o filme, mas nunca apresentou essas músicas ao vivo em público. Pensa em incluí-las em algum setlist no futuro?
Se eu fosse fazer isso, provavelmente sairia em turnê menor, com uma orquestra, tocando esses discos especificamente. Quando saio com a E Street Band, é pra fazer um show de rock. Quero entrar no palco, colocar o pé no acelerador por três horas, esgotar a mim, a você, e todo mundo num raio de 30 quilômetros. Então, tem coisas que se misturam e outras que não, e é assim que vejo meu trabalho com a banda.
Você tem sido muito fotografado no set da cinebiografia Deliver Me From Nowhere, sobre a criação de Nebraska. Como é ver um ator te interpretando?
Acho que é bem pior para o ator do que pra mim. Jeremy Allen White foi muito, muito tolerante nos dias em que apareci no set. Eu disse a ele: “Olha, qualquer hora que eu estiver no caminho, só me dar um olhar que eu vou embora.” Nos dias em que fui, ele foi maravilhoso comigo ali. E foi divertido. Foi agradável.
Quer dizer, é um pouco estranho, porque o filme trata, de certa forma, de alguns dos momentos mais dolorosos da minha vida. Mas foi um projeto incrível, e o Jeremy, o Jeremy Strong [que interpreta meu empresário Jon Landau] foram ótimos — assim como todos os outros atores.Stephen Graham interpreta meu pai, e ele está fora de série. Todo mundo envolvido no filme foi tremendo.
Ver atores recriando sua infância ali, na sua frente, deve ter sido algo bem intenso emocionalmente.
Bom, em algumas cenas eu nem estive presente. Quando era uma cena muito pessoal, preferia ficar em casa para que os atores se sentissem totalmente livres. Se o diretor Scott Cooper quisesse ou precisasse de mim, eu tentava ir. Mas eu estava em turnê no Canadá no primeiro mês de filmagens, então estive bastante na estrada naquela época.
Aliás, um agradecimento ao meu público canadense — foi a melhor turnê canadense que já fizemos.
Falando em Nebraska, os fãs sempre tiveram fascínio pela ideia de um Nebraska com banda completa. Isso virou uma espécie de mito.
Bom, posso te dizer agora: esse disco não existe.
Sério?
Sim. Tentamos gravar algumas músicas com a banda, versões elétricas menores de “Nebraska”, talvez mais alguma coisa, não tenho certeza. Mas esse disco simplesmente não existe. Não há um Nebraska elétrico além do que tocamos ao vivo.
Max Weinberg e Roy Bittan me disseram que vocês ensaiaram muitas dessas músicas na sala da casa do Roy.
Não lembro disso, mas posso te dizer que não há nada no nosso arquivo que possa ser considerado um Nebraska elétrico.
[Nota do repórter: Cerca de um mês após esta entrevista, liguei o celular após um voo e vi uma ligação perdida de um número desconhecido de Freehold, New Jersey. Também havia uma mensagem: “Oi, Andy! Aqui é o Bruce Springsteen. Só queria te avisar: chequei nosso acervo e existe um Nebraska elétrico, embora não com todas as músicas do álbum. Um abraço, Bruce.”]
Fãs sonham com um show especial antes do lançamento do filme, onde você tocaria Nebraska na íntegra — algo que nunca fez. Isso é possível?
Acho improvável que eu faça, mas talvez um dia eu saia para tocar esse disco inteiro. Seria divertido, e os fãs adorariam. Não está fora da mesa.
Na última vez que conversamos, você mencionou Only the Strong Survive: Volume 2. Ele está pronto?
Sim, está pronto, finalizado. Faz tempo, na verdade. Mais uma vez, é uma questão de timing. Esses discos de covers são projetos que faço por diversão, quando não estou escrevendo. Foi algo que curti muito fazer. Amo aquelas músicas, amo os cantores originais.
Então sim, tenho outro volume, e também fiz outras gravações de covers que não são necessariamente de soul — é mais um projeto em andamento.
Você está escrevendo músicas agora ou pensando no próximo disco?
Sim, eu tenho um disco pronto.
É com a E Street Band ou solo?
É um disco solo.
Você pode dizer algo sobre ele?
Não.
Acha que sai no ano que vem?
Imagino que saia em 2026, em algum momento.
Fora da Broadway, você não faz uma turnê solo há 19 anos. Acha que pode fazer outra em algum momento?
Bom, a Broadway foram umas 240 apresentações ou algo assim. Mas sim, com certeza, vou fazer isso de novo em algum momento. Não sei qual será a música, mas terei bastante material pra escolher, porque tenho feito muitos discos. Mas sim, em algum momento, quero fazer isso.
Essa turnê de verão na Europa marca o fim da turnê da E Street Band que começou em 2023?
Sim. Esses próximos 15 ou 16 shows são o fim oficial da nossa turnê de 130 datas com a E Street Band. Isso é algo debatível, sabe? Em vez de fazer uma turnê de 130 shows direto — o que fizemos agora porque estávamos fora da estrada há seis anos, e eu precisava me reconectar com o público, e também foi divertido tocar com a banda… no futuro, acho que vamos tocar com mais frequência, mas fazer menos datas.
Os fãs da Austrália estão loucos pra te ver por lá.
Estou fazendo o melhor que posso, neste exato momento, pra conseguir ir pra lá — espero que no ano que vem. E me sinto mal. Peço desculpas aos meus fãs australianos por não ter ido dessa vez, mas quero que saibam que estamos planejando ir assim que for viável, provavelmente no ano que vem.
O show que você fez no verão passado em Asbury Park foi inacreditável.
Eu colocaria esse show entre os cinco ou três melhores que já fizemos. De tão especial que foi pra mim. Parte disso é porque eu estava naquela cidade quando não havia ninguém ali, era uma cidade fantasma. Asbury Park foi um completo deserto por uns 30 anos, e eu e os caras estávamos lá. Estar lá na sua retomada, vendo aquilo ganhar vida de novo, e ver tudo acontecer naquela praia, numa linda noite de setembro, foi uma das experiências mais lindas que já tive no palco.
Vai rolar Tracks III?
Sim. Ainda tem muita música no arquivo, e é algo que já finalizei e está pronto pra ser lançado. É só uma questão de termos tempo pra lançar isso, considerando que também tenho vários outros projetos que quero lançar em breve. Mas vocês não vão esperar mais 25 anos pelo próximo Tracks. Deve sair nos próximos três anos, mais ou menos.
Há outros álbuns completos e inéditos nesse material?
Não, nenhum álbum completo. É tudo música de diferentes fases da minha vida de trabalho — algumas com a banda, outras não, algumas bem antigas. A essa altura, o acervo não vai estar completamente vazio, mas praticamente. Não vai sobrar muito. E isso me anima — finalmente poder lançar tudo que gravei pros meus fãs.
Durante a presidência do George W. Bush, você escreveu muitas músicas sobre a agonia e a loucura daquele período. Você sente vontade de escrever sobre a era política atual?
Acho que tenho vontade de cantar sobre isso. Mas, até agora, não tive inspiração pra escrever. Se vou ou não escrever, não sei. Mas, obviamente, estamos vivendo uma tragédia americana, e acredito que sairemos disso inteiros. Os EUA não são como outros países que têm histórias autoritárias. Temos uma história democrática, e acredito que ela vai ressurgir. Essa não é uma tradição que vai desaparecer da noite pro dia, por mais que alguém tente subvertê-la.
Você não perdeu a esperança?
Não, não, não. Tem que ter esperança, cara. Eu tenho que ter esperança.
Na nossa conversa de uns 10 anos atrás, você disse que “a luz do trem vindo na sua direção faz você focar”. Você sente isso ainda mais agora, com a idade?
Sim. Você percebe que o tempo é finito — e o tempo no palco também. E sinto que, se você for ver a banda agora, verá uma banda no auge. Tocávamos de um jeito em 1980. Tocávamos diferente em 1975. Era uma energia jovem que tínhamos naquele momento. Mas a profundidade, a ressonância e a experiência que acumulamos nesses 50 anos de estrada realmente vieram à tona nas nossas apresentações. A banda está absolutamente incrível no palco agora. Então é muito empolgante tocar com a E Street Band neste momento, e pretendo fazer bastante disso ainda. Mas esse futuro é finito.
Às vezes eu olho pro Max no fim do show e penso: “Como esse homem ainda está de pé?”
Bom, o Max desenvolveu uma técnica que permite isso, o que é incrível pra mim. Eu costumo dizer: “Olha, eu pelo menos tenho um tempinho pra respirar entre as músicas, porque gosto de manter o show em movimento constante.” O Max não tem isso. Eu digo: “Max, nesses cinco segundos, continua tocando.” Então ele basicamente toca por três horas seguidas, sem parar. Talvez ele pare por 30 segundos pra beber água duas ou três vezes por noite. O Max é um fenômeno humano, uma bênção na minha vida e no meu trabalho.
Às vezes eu penso na sorte que foi colocar aquele anúncio no Village Voice procurando um baterista e um tecladista — e aí apareceram o Max e o Roy.
Pois é. Eles realmente definiram uma parte enorme do som da banda. Os teclados do Roy Bittan são supercaracterísticos da E Street Band, assim como a bateria do Max. Você precisa de um pouco de sorte quando está jogando no longo prazo. E eu tive sorte. Aqueles foram dias de sorte.
Você gostaria de ser como o Pete Seeger e ainda estar no palco aos 90 anos tocando suas músicas?
Ah, com certeza. Eu conheci o Pete, e ele tinha uma energia enorme. Quando a voz dele começou a falhar, ele simplesmente achou outro jeito de fazer. Acho que era um primo ou alguém da família que tocava com ele. O Pete entendia que o público vinha pra experimentar o espírito dele — e isso continuava fortíssimo.
Ele é um ótimo exemplo a seguir.
Com certeza. Assim como o Willie Nelson, e vários dos pais do rock que tocaram até os 80 e poucos anos. Os Rolling Stones são uma grande inspiração hoje. Acho que os Stones estão tocando melhor do que nunca, assim como o Paul McCartney. E o Bob Dylan ainda está na estrada. Esses caras estão um pouco à minha frente e mostram: “Ei, ainda não é hora de descansar. Ainda temos muitos quilômetros pela frente.”
Então, não vai haver uma turnê de despedida?
Não.