Música
O brasileiro que diz ter feito o show mais importante da vida no Bangers Open Air

Aquiles Priester não é um estranho aos grandes palcos. Todavia, o show realizado junto ao W.A.S.P. no último domingo, 4, durante o festival paulistano Bangers Open Air, teve sabor especial para o baterista.
Por estar se apresentando em seu país pela segunda vez junto da banda que integra desde 2017 — a estreia por aqui se deu em 2019 —, Priester ficou emocionado. Chegou ao ponto de trocar um solo de bateria pela oportunidade de fazer um discurso e definiu a ocasião como o show “mais importante” de sua vida.
O momento se deu em um momento de transição no repertório. Primeiro, a banda americana de hard rock/heavy metal tocou na íntegra seu álbum de estreia homônimo, lançado em 1984 e celebrado em uma turnê de 40 anos. Depois, partiu para a execução de canções de outras fases da carreira. Entre as duas partes do setlist, Aquiles veio à frente do palco montado no Memorial da América Latina para, em suas palavras, “conversar com meu povo”.
Inicialmente, ele disse:
“Só quero agradecer muito a todos vocês que mantém a chama do metal acesa aqui no Brasil. É maravilhoso poder ter um festival desse nível. Todas as bandas que estão aqui falam o seguinte: ‘é um dos festivais mais organizados que eu já participei na minha vida’.”
Na sequência, como citado, definiu o evento como “o show mais importante da minha vida”. E refletiu sobre o sonho que é fazer parte do W.A.S.P. nos dias de hoje.
“Como todos vocês que estão aqui, eu também tinha sonhos quando tinha 14, 15 anos. E foi assim que conheci o W.A.S.P., quando eles estavam fazendo uma excursão com o Iron Maiden durante a ‘World Slavery Tour’ e depois a ‘Somewhere On Tour’. Então, eu estar em cima desse palco tocando para todos vocês aqui hoje, com essas lendas do metal, é um grande sonho que se torna realidade. Quero dizer que vocês também são responsáveis por isso. Muito obrigado, Brasil.”
Mais sobre Aquiles Priester
Reconhecido como um dos bateristas mais habilidosos e técnicos do heavy metal, Aquiles Priester se destacou nacional e internacionalmente como baterista do Angra, entre 2000 e 2009. Antes, já comandava sua própria banda, o Hangar, que existiu até 2018, e tocou com Di’Anno, projeto do vocalista Paul Di’Anno (ex-Iron Maiden), entre 1998 e 2000.
Desde sua saída do Angra, envolveu-se com uma série de grupos e projetos, com destaque aos trabalhos com Tony MacAlpine, Dragonforce, Edu Falaschi e Noturnall. Como citado, integra o W.A.S.P. desde 2017. Embora tenha realizado uma série de turnês, ainda não gravou material em estúdio com a banda liderada pelo vocalista e guitarrista Blackie Lawless.
Como foi o show do W.A.S.P. no Bangers Open Air 2025
*Texto escrito por Igor Miranda e publicado em 4 de maio de 2025.
A história do álbum de estreia homônimo do W.A.S.P., cujas quatro décadas de lançamento foram homenageadas com excelente show no domingo, 4, no Bangers Open Air, em São Paulo, envolve polêmica e combate ao conservadorismo. Antes mesmo do disco sair, o grupo liderado pelo vocalista (e à época baixista, hoje guitarrista) Blackie Lawless disponibilizou como single “Animal (F**k Like a Beast)”. Dá para sacar a controversa letra a partir do próprio título: “animal (f*do como uma besta)”. Mais um dia na década de 1980, correto?
Errado. Esta canção, posteriormente excluída do disco para evitar complicações com o que viria por aí, e outras 14 dos segmentos pop e rock entraram na lista Filthy 15, feita pelo Parents Music Resource Center (PMRC). O comitê americano, fundado por quatro esposas de figuras influentes da política nacional — com destaque a Tipper Gore, esposa do senador e futuro vice-presidente Al Gore —, queria aumentar o controle dos pais ao acesso de seus filhos a músicas consideradas subversivas. Álbuns que contivessem canções com temáticas supostamente relacionadas a sexo, violência ou uso de drogas receberiam um selo com os dizeres “Parental advisory: explicit content” — em tradução livre, “Aviso aos pais: conteúdo explícito” —, além de uma descrição sobre o assunto das composições.
Como as diretrizes não estavam claras, soou como perseguição e tentativa de censura. O comitê sugeriu que lojas escondessem capas consideradas explícitas, canais de TV não veiculassem músicas e clipes considerados explícitos e gravadoras “reconsiderassem” os contratos de artistas que fizessem shows “violentos” ou “sexuais”. Além de W.A.S.P., artistas e bandas como Prince, Madonna, Cyndi Lauper, Mötley Crüe, AC/DC e Judas Priest, entre outros, foram alvos. Músicos como Dee Snider (Twisted Sister) e Frank Zappa chegaram a participar de uma discussão no senado, onde enfrentaram uma cruzada conservadora. O selo da PMRC acabou implantado e grandes varejistas se recusaram a vender esses álbuns por algum tempo — quem topava, ganhava uma boa grana, pois isso só aumentou o interesse por aquelas “obras malditas”.

Por um lado, surpreende que Lawless, antes alvo da censura de conservadores, tenha se tornado um ferrenho apoiador do atual presidente americano Donald Trump — a ponto de estender bandeiras em suporte ao político antes da última eleição, da qual saiu vitorioso. Por outro, sua obra e história vão contra qualquer ideologia retrógrada. Quem esteve no show realizado por Blackie, Doug Blair (guitarra), Mike Duda (baixo) e o brasileiro Aquiles Priester (bateria) no Bangers Open Air sequer teve contato com qualquer ideal tradicionalista naquela ocasião. Nada daquilo importava. Ainda bem, pois não combina muito com rock e heavy metal.
O começo da apresentação foi confuso e nem foi por culpa do W.A.S.P., que soou impecável do início ao fim. É que, semanas antes, as redes oficiais da banda afirmaram que o setlist do Bangers Open Air não traria a execução do álbum de estreia na íntegra, como em toda a turnê atual, mas uma seleção de hits de toda a carreira. Mas ao abrir com “I Wanna Be Somebody” — algo que eles nunca faziam antes desta excursão — e emendar com “L.O.V.E. Machine” e “The Flame”, ficou claro que o repertório teria, sim, o disco de 1984 tocado da cabeça aos pés e na ordem original.

É impossível pinçar destaques desta etapa do setlist. O álbum homônimo do W.A.S.P. é todo fora de série. Pesado demais para ser rotulado como hard rock, mas com ganchos melódicos poderosos a ponto de furar a bolha do heavy metal. Incrível. Se “B.A.D.”, “School Daze”, “Tormentor” e a já citada “The Flame” não eram tocadas ao vivo antes da atual turnê desde 1985, clássicos como “On Your Knees”, “Hellion” e as também mencionadas “I Wanna Be Somebody” — felizmente tocada como a gravação original, sem enrolações e esticadas na duração — e “L.O.V.E. Machine” sempre estiveram nos shows. Os fãs não ficaram sem os hits e ainda receberam músicas que talvez jamais ouvirão numa apresentação novamente, já que Blackie adiantou: provavelmente nunca mais realizará outra excursão com este tema.

Também não dá para separar um destaque entre os quatro músicos. A banda, alvo de críticas por performances não tão boas em visitas anteriores, nunca soou tão bem como agora. Blackie Lawless, constantemente acusado de fazer playback, só pareceu ter dublado o trecho de “The Headless Children” executado já na segunda parte do repertório e os refrães em coro junto dos backing vocals — neste segundo caso, tão normal nos dias de hoje a ponto de quase todo artista se fazer valer de tal recurso. Doug Blair na maior parte do tempo soou como Chris Holmes, guitarrista clássico do grupo, seja na execução dos solos ou, em especial, na timbragem de seu instrumento. Mike Duda, discreto, sabe o seu lugar na massa sonora — e isso também precisa ser elogiado. E o que dizer de Aquiles Priester? O brasileiro, reconhecidamente um dos melhores bateristas de heavy metal do planeta, “sobra” no palco. Toca com precisão tudo o que foi gravado por Tony Richards no álbum de 1984 (o que pode parecer fácil, mas não é) e se solta na etapa complementar do set, quando ele e seus colegas já não precisam mais executar um disco na íntegra.

Entre a performance completa do álbum de 1984 e a já antecipada parte dois do show, Priester foi ao microfone para conversar com o público. O baterista disse ter trocado a oportunidade de fazer um solo em prol deste papo, durante o qual: se declarou feliz por tocar no Brasil com uma banda tão lendária, definiu aquela ocasião como “o show mais importante da minha vida”, revelou elogios de outros artistas do Bangers à organização do evento brasileiro e, em meio a ovações, deixou uma mensagem de motivação:
“Como todos vocês que estão aqui, eu também tinha sonhos quando tinha 14, 15 anos. E foi assim que conheci o W.A.S.P., quando eles estavam fazendo uma excursão com o Iron Maiden durante a World Slavery Tour e depois a Somewhere On Tour. Então, eu estar em cima desse palco tocando para todos vocês aqui hoje, com essas lendas do metal, é um grande sonho que se torna realidade. Quero dizer que vocês também são responsáveis por isso. Muito obrigado, Brasil.”
Findadas as dez músicas do disco de 1984 e o discurso de Priester, o W.A.S.P. retornou para concluir seu set com “The Real Me”, robusto cover de The Who onde o baterista desce o braço, execuções parciais da baladaça “Forever Free” e de “The Headless Children” (esta com imagens da Segunda Guerra Mundial no telão ao fundo) e a dupla “Wild Child” e “Blind in Texas”, hits do álbum seguinte ao homenageado, The Last Command (1985), para encerrar tudo em clima de festa. Não havia como ter outra atmosfera. Na noite de 4 de maio de 2025, celebrou-se tanta coisa no Memorial da América Latina: a presença de um brasileiro numa banda tão importante, a existência de um álbum que precisa ser citado quando se fala de combate à censura na música popular e… bem, a existência do próprio heavy metal.
W.A.S.P. no Bangers Open Air — setlist
1. I Wanna Be Somebody
2. L.O.V.E. Machine
3. The Flame
4. B.A.D.
5. School Daze
6. Hellion
7. Sleeping (in the Fire)
8. On Your Knees
9. Tormentor
10. The Torture Never Stops
11. The Real Me (cover de The Who)
12. Forever Free (incompleta)
13. The Headless Children (trecho)
14. Wild Child
15. Blind in Texas
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