Música
Judas Priest faz show digno de deuses do metal no Monsters of Rock 2025

Para os deuses do metal, não basta chegar aos 55 anos de carreira: é preciso atingir tal número em um nível de qualidade surpreendente. Quem assistiu ao espetáculo oferecido pelo Judas Priest na noite de sábado, 19, como antepenúltima atração do Monsters of Rock, no Allianz Parque, em São Paulo, saiu de queixo caído. Por variadas razões.
Não há como deixar de começar com Rob Halford. O homem que fez por merecer o apelido de “Metal God” justifica, a cada turnê, seu caráter praticamente imortal na música — pesada ou não. Aos 73 anos, ainda canta que é uma barbaridade. Com o mesmo fôlego e disposição de décadas passadas? A resposta é óbvia. Não apenas seria ridículo esperar por isso, como sequer é necessário, pois o que apresenta é mais do que suficiente para, reforço, deixar queixos caídos.
Ciente de que segue em alto nível, Halford não alivia para si. Encara músicas de execução complicadíssima sem fugir de explorar sua voz. “Painkiller”, faixa-título do álbum cuja tour os colocou no Brasil pela primeira vez — Rock in Rio 1991 —, continua no setlist com performance vocal digna de aplausos. Lados B como “Devil’s Child” e “Riding on the Wind” podem soar desafiadoras para outros cantores, mas Rob mata no peito. E o que dizer do agudo de “Victim of Changes”, executado após breve homenagem no telão a Glenn Tipton, guitarrista afastado desde 2018 em função do Parkinson? Que outros septuagenários conseguem fazer algo assim?

A ironia do destino é que o Priest foi fundado em 1969 por outro cantor: Al Atkins, junto de outros músicos que jamais participariam de outras formações. No ano seguinte, o vocalista original uniu forças ao guitarrista K.K. Downing e ao baixista Ian Hill, mas como prova de que os deuses do metal escrevem certo por linhas tortas, caiu fora em 1973, devido a problemas financeiros no grupo. Halford, irmão da namorada de Hill à época, acabou chamado para substituí-lo. Dá para imaginar a história da música pesada sem Rob? Pior: sem Rob no Judas Priest?
Hill, 74, único músico além de Halford a permanecer desde então, parece dispensável neste contexto. Não é: o baixista fornece solidez musical e sabe que precisa dar um passo atrás para que os demais brilhem. Além do vocalista, ficam sob constantes holofotes os guitarristas “novinhos” Richie Faulkner, 45, e Andy Sneap, 55. Cada um deles merece menção à parte.

O primeiro, substituto de Downing quando este resolveu se aposentar no fim de 2010, meio que se tornou o segundo membro de maior destaque quando Tipton teve de se afastar. Assume a maior carga dos solos e jamais demonstra qualquer tipo de sequela dos recentes problemas de saúde, desde o aneurisma da aorta que sofreu em pleno palco em 2021 à série de AVCs que, segundo o próprio, lhe deixaram danos cerebrais.
O segundo, ocupante do posto de Glenn a partir de 2018, é também um produtor renomado que inclusive gravou o próprio Judas antes de se juntar à formação de turnês. Curiosamente, quase não esteve nos planos para 2022 em diante. Em uma já admitida pisada na bola, Halford anunciou no início do ano citado que o Priest seguiria como quarteto, tendo apenas Faulkner nas seis cordas. Como esta banda depende que o instrumento em questão esteja em formato duplo, não fez o menor sentido — e a decisão acabou revertida. Deuses também erram, mas logo corrigem. Embora mais discreto que Richie, Andy parece estar mais à vontade no palco: tem circulado mais, assumido novos solos e até deixado o cabelo crescer dentro de suas limitações genéticas.

Há ainda Scott Travis, 63, simplesmente o criador da linha de bateria da já mencionada “Painkiller”. Embora esteja sentado o tempo todo, é quem mais se parece com um garoto, tendo em vista a energia de sua performance. Soa como, no bom sentido, uma máquina, tamanha a precisão.

Clássicos de fora à parte — “Screaming for Vengeance”, “The Sentinel”, “Metal Gods”, “The Ripper” e afins —, também é cirúrgica a escolha do setlist, ainda que nem tanto a sequência em que se monta. Primeiro, os méritos: dez dos 19 álbuns de estúdio são contemplados, com óbvio foco nas décadas de 1970 e 1980. Fora daí, apenas “Painkiller” e três do novo disco Invincible Shield: a faixa-título, “Crown of Horns”, e “Panic Attack”, esta posicionada na abertura, quando o público ainda parece embasbacado com o visual e a estrutura do palco. É quase como um aquecimento para o que vem, especialmente em seguida, com “You’ve Got Another Thing Comin’”, “Rapid Fire” e “Breaking the Law”. Que show terminaria mal com um início tão avassalador?
Lembra, porém, da chata conversa sobre sequência? É fato que as reações esfriam um pouquinho no miolo do set, considerada a série de canções menos conhecidas emendadas, da quinta à nona: “Riding on the Wind”, “Love Bites”, “Devil’s Child”, “Crown of Horns” e “Sinner”, algumas delas já citadas. Mas agrada os fãs mais dedicados e, novamente, parece servir de preparo para uma explosão ainda mais grandiosa com mais clássicos emendados, da hard rocker “Turbo Lover” à raiz “Victim of Changes”, fora o bis com “Electric Eye”, entrada da motoca de Halford, “Hell Bent for Leather” e “Living After Midnight”.
Estes deuses também escrevem certo por linhas tortas. Seja na montagem do setlist ou em quase toda a história de sua carreira. O Priest sofreu com altos e baixos mais do que outras grandes bandas de som pesado. Demoraram quase uma década para conquistar o devido sucesso; tiveram diversas mudanças na bateria até se estabilizarem com o hoje falecido Dave Holland; pareceram fora de tom por vezes com experimentos mais acessíveis na década de 1980; perderam Rob Halford justo num bom momento com o álbum Painkiller; mesmo com a volta do cantor nos anos 2000, levaram tempo considerável até produzirem um disco realmente bom (Firepower, 2018); anunciaram turnê de despedida só para voltarem atrás… tudo isso para chegarem em 2025 como a banda de metal mais respeitada em atividade e certamente um dos maiores nomes da história do gênero que ajudaram a moldar. Pois o que fica são os acertos. E nesse quesito eles são… deuses. Amém.
- Panic Attack
- You’ve Got Another Thing Comin’
- Rapid Fire
- Breaking the Law
- Riding on the Wind
- Love Bites
- Devil’s Child
- Crown of Horns
- Sinner
- Turbo Lover
- Invincible Shield
- Victim of Changes
- The Green Manalishi (With the Two Prong Crown) (cover de Fleetwood Mac)
- Painkiller
Bis: - The Hellion + Electric Eye
- Hell Bent for Leather
- Living After Midnight