Celebridade
Novos estudos mostram diferença entre cotistas e não-cotistas
Já faz mais de duas décadas que a Universidade de Brasília (UnB) se tornou a primeira instituição de ensino do país a adotar um sistema de cotas. Na época, 20% das vagas foram reservadas para alunos negros. De lá para cá, as chamadas ações afirmativas se tornaram a regra. Desde 2012, todas as universidades federais precisam reservar metade das vagas a alunos oriundos de escolas públicas, pretos pardos, indígenas e de baixa renda.
Nesse período, as cotas passaram a ganhar o apoio da maioria dos parlamentares.
A lei (atualizada em 2023) reserva vagas para negros, pardos, indígenas, alunos oriundos de escola pública, de baixa renda, ou com deficiência.
Um dos argumentos utilizados a favor desse sistema é o de que não existem diferenças de desempenho entre alunos cotistas e não-cotistas. Mas os dados não corroboram essa afirmação.
A maioria dos estudos mais recentes, publicados entre 2023 e 2024, mostra uma diferença visível de desempenho entre alunos que ingressaram pelo sistema de cotas e os demais.
Isso não equivale a dizer que as cotas devem ser abolidas apenas com base nesse fato. Também é possível discutir se o tamanho da diferença é grande o bastante para justificar uma revisão no modelo atual. Mas que a discrepância existe, existe.
Veja o resumo de cinco estudos recentes sobre o tema.
Universidade Federal de Viçosa (UFV)
Um levantamento publicado em 2023 pela revista Educação e Pesquisa levou em conta o índice de reprovação de estudantes da Universidade Federal de Viçosa (Campus Rio Paranaíba) entre 2016 e 2020. Resultado: em média, os cotistas foram reprovados em 5,37 disciplinas — ante 4,62 dos alunos não-cotistas.
A UFV tem quatro modalidades de cotas. Todas elas beneficiam alunos de escolas públicas. O maior índice de reprovação foi o dos alunos da Modalidade 1: (estudantes pretos, pardos ou indígenas com renda familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita). Nesse grupo, cada aluno teve 5,99 reprovações, em média; 1,37 acima dos estudantes não-cotistas.
Na modalidade 2 (pretos, pardos ou indígenas com renda abaixo de 1,5 salário mínimo per capita), a média de reprovações foi de 5,44. Na modalidade 3 (pretos, pardos ou indígenas com renda acima de 1,5 salário mínimo per capita), o índice foi de 5,42.
Já na modalidade 3 das cotas (alunos que não são pretos, pardos ou indígenas, e que têm renda familiar acima de 1,5 salário mínimo per capita), houve 4,62 reprovações por estudante, em média — apenas 0,2 abaixo dos alunos oriundos do sistema universal.
No Coeficiente de Rendimento Acadêmico (CRA), que leva em conta as notas dos estudantes em cada disciplina, os cotistas da UFV tiveram um desempenho ligeiramente inferior aos egressos do sistema universal (52,3 contra 53,7). Mas a média dos cotistas é puxada para cima pelos alunos do grupo 4, que tiveram um CRA de 54,3. Os cotistas dos grupos 1,2 e 3 tiveram índices mais baixos: 51,9, 51,2 e 51,7, respectivamente.
Universidade Federal de Goiás (UFG)
Este levantamento, parte de uma dissertação de Mestrado em Administração Pública, analisou o desempenho de mais de 11 mil alunos da UFG. Conclusão: a Média Global do Estudante, de 0 a 10, foi de 7,07 para os cotistas e 7,44 para os não-cotistas.
A diferença entre os dois grupos também aumentou com o tempo: de 0,16 ponto em 2016 para 0,28 em 2019 e 0,49 em 2022.
O estudo mostra que, dentro de cada categoria racial, a diferença entre cotistas e não-cotistas persiste. Entre os brancos, não-cotistas tiveram um CRA de 7,28 contra 7,52 dos não-cotistas. Entre pretos, pardos e indígenas, os cotistas ficaram com 6,98, enquanto os não-cotistas tiveram uma média de 7,31.
Curso de Nutrição da UFG
Esta pesquisa avaliou a trajetória de 1.049 estudantes do curso de Nutrição da UFG entre 2009 e 2021.
De forma agregada, os alunos de cotas tiveram uma média de 7,6, ante uma média de 7,76 para os não-cotistas.
Em todos os 18 períodos acadêmicos, os alunos que ingressaram por meio de ações afirmativas tiveram uma nota média inferior à dos alunos oriundos do sistema universal.
“Os resultados apontaram que os estudantes de ações afirmativas apresentaram desempenho inferior aos de ampla concorrência, necessitam de mais tempo para a graduação e possuem maior número de reprovações”, diz a autora Roseane Maria Vogado Rodrigues, no artigo publicado na revista Contribuciones a Las Ciencias Sociales.
UNESP Botucatu
Um estudo publicado em 2024 pela Revista Brasileira de Educação Médica colocou em perspectiva o desempenho dos alunos do curso de Medicina da UNESP (Universidade Estadual Paulista) de Botucatu.
O artigo mostra que o coeficiente de rendimento médio dos alunos que ingressaram pelo sistema universal foi de 8,45 pontos. Já entre os alunos cotistas, o índice foi de 8,31.
Dentro dos grupos que ingressaram por cotas, os alunos oriundos de escolas públicas tiveram um desempenho semelhante aos do sistema de ingresso universal: 8,37 pontos. Já a nota dos alunos que ingressaram por cotas raciais foi significativamente menor: 8,1 pontos.
Medicina na Universidade de Brasília (UnB)
A diferença entre cotistas e não-cotistas muda de acordo com a dificuldade do curso e a concorrência no processo de seleção. Em cursos muito concorridos, a diferença tende a não ser tão elevada — ou até mesmo a desaparecer, já que os alunos que entraram por cotas também obtiveram notas altas no vestibular.
Além disso, as cotas incentivaram alguns pais a colocar os filhos em escolas públicas no ensino médio, mesmo podendo pagar por escolas particulares.
Uma pesquisa feita entre alunos de Medicina da UnB concluiu que algumas modalidades de cotas têm até mesmo um desempenho maior do que os alunos que ingressaram pelo sistema universal.
Ainda assim, os alunos que vieram de escolas públicas, são de baixa renda e se identificam como pretos, pardos ou indígenas apresentaram um IRA (Índice de Rendimento Acadêmico) ligeiramente menor que os estudantes que ingressaram pelo sistema universal: 4,11 ante 4,17. No curso de Medicina da UnB, a maior discrepância é entre os indígenas (IRA de 3,38) e os demais estudantes. O estudo foi publicado na revista Educação, Raça, Gênero e Diversidade Sexual.
Debate sobre desempenho é antigo
Os próprios autores minimizam a diferença encontrada.
O debate é antigo. Em 2014, uma dissertação de mestrado em Economia na Fundação Getúlio Vargas analisou as notas do ENADE de 2008 e 2011.
Ela não analisou as notas individuais, mas comparou cursos que tinham sistema de cotas com os que não tinham. Resultado: na média, os cursos com ações afirmativas tiveram uma nota 4,6% mais baixa do que os que continuavam selecionando os alunos apenas por mérito.
A autora, Talita de Moraes Gonçalves Silva, concluiu que “os alunos que ingressaram nas instituições de ensino superior (IES) por ações afirmativas (AA) apresentam, em média, desempenho menor que os alunos que não são beneficiados”.
Em 2024, o Congresso Nacional também renovou por mais 10 anos a lei que criou cotas raciais nos concursos públicos, além de aumentar de 20% para 30% o número de vagas reservadas a negros, pardos — e, agora, indígenas e quilombolas. Na Câmara, a proposta teve 241 votos a favor e 94 contrários.
No mesmo ano, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que as universidades não podem usar a raça como um critério de admissão dos alunos.