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Celebridade

Um puxão de orelha de Natal

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Um puxão de orelha de Natal

Natal é tempo de esperança.

O leitor está à toa, fazendo uma pequena pausa nos trabalhos intensos de preparativos para a festa do Natal, daqui a pouco. Só hoje ele já foi ao mercado três vezes, tirou o lixo outras tantas, descascou quilos de cebola e lavou toneladas de louça. Isso sem falar nos quilômetros que caminhou entre a cozinha e o quarto, em miudagens que não vale a pena registrar. Acho que nosso guerreiro merece um tempinho para dar uma olhada no que acontece na Gazeta do Povo, né?

Sabe como é

Largado no sofá e arfando como se estivesse à beira de um infarto, ele pega o celular. O reconhecimento facial não funciona e… Não, não precisa se preocupar. Ele não está tendo um infarto de verdade. É só estratégia para não ser incomodado pela mulher que não pode vê-lo descansando que vai logo pedindo alguma coisa. Sabe como é.

“Estou velho!”

Como dizia, ele pega o celular, mas o reconhecimento facial não funciona. Ele digita a senha e passa os cinco minutos seguintes procurando o app da Gazeta do Povo. “Estou velho!”, pensa ele. Como se ninguém tivesse reparado… Por fim, ele clica duas vezes no aplicativo. Simplesmente porque algo dentro dele se recusa a superar a lógica do mouse. De qualquer forma, o aplicativo abre e.

Pffffffff

Puxão de orelha de Natal

Nesse estado semipermanente de semidepressão, o leitor continua rolando a tela até se deparar com a imagem de uma mão (cacófato inevitável) puxando a orelha de alguém com um gorro de Papai Noel. Ao lado da imagem, o título: “Um puxão de orelha de Natal”. Ah, claro! Se tem uma coisa que espero levar no dia de Natal é um puxão de orelha, pensa ele.

Não pago assinatura pra isso!

Mas clica e começa a ler. E, logo na primeira frase, ele lê o mais temido e verdadeiro, temido porque verdadeiro, lugar-comum desta época: Natal é tempo de esperança. Não pago assinatura para ler esse tipo de coisa, pensa. Mas continua lendo, ansioso por chegar à parte em que o colunista lhe dá um carinhoso puxão de orelha.

Raiva, indignação, etc.

Carinhoso, sim. Puxão de orelha de quem se importa e se preocupa. De quem o viu, ao longo de todo o ano de 2024, ficar indignado e com raiva. Quando não com inveja dos poderosos que figuraram neste espaço e parecem sempre tão felizes e vitoriosos e donos de si e de nós. De alguém que também costuma confundir justiça com desejo de vingança. Mas sabe que isso é errado. E como ele sabe disso? Porque é o desejo de vingança, e não de justiça, o que nos faz sofrer.

Compaixão pelos chatos

Puxão de orelha de quem quer o seu bem, isso, abre um sorriso aí, vamos conversar e não se amedronte. Prometo que vou puxar de leve, para repetir uma mensagem antiga e que espero que não se torne rotineira. Para lhe dizer que daqui a pouco chegará a parentaiada e os amigos aí na sua festa, inclusive aquele menino chato que, além de petista, ateu e vegano, torce para o Athletico. Como é difícil nutrir compaixão pelos chatos, né? Ainda mais quando ele é assim tão diferente de nós.

O Toninho é dureza

Também vai vir a Leda, que em 2022 quase foi para Brasília, acredita? Era para ela estar presa, mas no dia de embarcar para o Planalto Central resolveu dormir mais cinco minutinhos e perdeu o ônibus. Bolsonarista roxa, ela. E o Toninho, claro. Mas o Toninho é gente boa. Pena que goste de ficar dizendo que pagou tanto por isso e tanto por aquilo. E nada do que os outros têm é bom o suficiente. Pensando bem, o Toninho é dureza.

Vai lá!

Vai lá. Abrace o menino chato e ria quando ele disser que a economia está uma maravilha e existe um complô dos agentes de extrema-direita no mercado para acabar com o governo Lula. Ria porque a juventude é assim mesmo. Depois levante e se sirva de mais uma dose do Macallan e escute o que a Leda tem a dizer. A Leda acredita em casa coisa, eu sei. Assim como sei que a Leda é tão sozinha… Agora dê a mão para o Toninho e o convide para se sentar e deixe que ele conte suas vantagens. Talvez isso seja tudo o que ele tenha para falar de bom sobre si mesmo.

Lembre-se

E em meio a tudo isso e mais um pouco (não vou me estender porque a sua mulher pode estar te chamando lá da cozinha – e eu não quero que você se complique), lembre-se de olhar em volta e de agradecer: você não está sozinho. Você tem amigos e uma família linda, perfeita em sua imperfeição. Lembre-se de que todo mundo está fazendo o seu melhor. Até o petista chato (já mencionei que ele tem os cabelos coloridos?) para o qual o cronista achou melhor não dar um nome para não ferir suscetibilidades.

Será que eu consigo?

Mais do que isso, lembre-se de que as grandes batalhas político-ideológicas que o tiram do sério cotidianamente são apenas sintomas de uma batalha muito maior e que você trava todos os dias no seu coração. Me refiro àquela batalha que você só vai ganhar se for humilde o bastante para se reconhecer falho. E se você estiver disposto a servir desinteressada e generosamente. Será que você consegue? (Será que eu consigo?).

Para além do lugar-comum

Só assim, reconhecendo-se falho, mas capaz de melhorar, e principalmente reconhecendo que só os tolos cedem à vontade tirânica de moldar o mundo e as pessoas de acordo com a sua vontade, é que você será capaz de interpretar o “Natal é tempo de esperança” para além do lugar-comum vazio. Porque essa esperança de que falam os clichês nada tem a ver com o desejo de prisão dos corruptos, de uma mudança de governo ou de uma melhora na economia. Por outra, é a esperança de que você consiga se livrar da escravidão do eu-quero, do eu-quero-do-meu-jeito e do eu-quero-agora.

Palmito

O leitor fecha o aplicativo, deixa o celular de lado e fica pensando. Mas seus pensamentos são interrompidos por uma voz que, da cozinha, suplica:

– Amor, vem cá! Pode abrir o pote de palmito pra mim?!

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