Celebridade
não foram sindicatos, foi o desenvolvimento econômico
A jornada de trabalho máxima de 44 horas semanais estabelecida pela Constituição e, antes dela, pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que estabelecera 48 horas (oito por dia com folga no domingo), com frequência é vista como uma conquista de movimentos pelos direitos dos trabalhadores, especificamente os operários industriais.
Mas há análises que contestam essa história: um estudo de 1990 indica que o sindicalismo explica apenas um sétimo da redução da jornada de trabalho mais vertiginosa nos Estados Unidos no começo do século 20, e 80% de economistas e historiadores atribuem essa conquista no país primariamente ao crescimento econômico.
“A ação de sindicatos pode ter algum efeito no estabelecimento de uma lei, mas lei sem base econômica não se sustenta”, afirmou em conversa com a Gazeta do Povo o economista Claudio Shikida, professor do Ibmec de Minas Gerais. Para ele, a redução histórica da jornada “é como o caso dos salários: são determinados por oferta e demanda, não por leis”. Quando se ignoram as leis do mercado e um salário mínimo é imposto, por exemplo, “não se cria empregos” e os menos qualificados têm dificuldade em manter suas posições.
De fato, a introdução de leis de limitação da jornada de trabalho com frequência veio após acontecerem reduções orgânicas da jornada em diferentes países.
Na primeira conferência da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT, estabelecida em Londres), em 1866, “era unânime a reivindicação pela redução da jornada de trabalho para oito horas” por dia, disse o jornalista Vito Giannotti em seu livro “História das lutas dos trabalhadores no Brasil” (Mauad, 2007). “Essa passou a ser a reivindicação unificada da classe operária mundial”, afirmou o autor.
As décadas seguintes foram marcadas por “mortes, prisões e perseguições”, mas o limite das oito horas surgiu no Reino Unido pela primeira vez em 1908, inicialmente restrito aos trabalhadores de minas. Antes, no mesmo país, outras conquistas foram feitas, como a fixação do horário de trabalho das 5h30 às 20h30 e proibição de trabalho para menores de nove anos de idade em 1833. Em 1847, a jornada máxima foi reduzida para 10 horas diárias.
Jornadas limitadas de trabalho substituíram o sol pelo relógio
Em 1835, 20 mil trabalhadores da Filadélfia fizeram a primeira greve geral dos Estados Unidos exigindo que seu limite diário de jornada fosse de dez horas e, claro, aumento de salário. Isso não era necessariamente uma redução da jornada o ano todo. O hábito até ali era trabalhar enquanto o sol estivesse no céu. Naquela latitude, o dia dura 15 horas no verão, mas nove horas no inverno. O que incomodava era a inconsistência de pagamento, piorando os dias frios para as famílias. Dez horas, marcadas no relógio em vez de no céu, eram uma esperança de estabilidade.
Os trabalhadores venceram, e o limite de dez horas foi estendido à maior parte dos EUA, exceto a cidade de Boston. “Revelou-se que foi em Boston que aconteceriam os primeiros grandes sucessos de ter uma jornada de oito horas diárias”, afirmou Cremieux Recueil — pseudônimo de um cientista de dados e estatístico cujos escritos no X e no Substack têm chamado a atenção de personalidades como o intelectual e programador britânico Paul Graham e o empresário Elon Musk.
“Em 1842, os carpinteiros navais de Boston — que não eram sindicalizados — ganharam a jornada diária de oito horas”, disse o estatístico em sua publicação própria. O Congresso estabeleceu as oito horas por lei somente em 1868. “Mas não foi eficaz de imediato, pois também reduziram os salários em 20%”, corte que foi revertido pelo presidente americano no ano seguinte. Mesmo com a lei, os sindicalistas só conseguiram de fato a jornada que queriam numa queda vertiginosa da jornada entre 1914 e 1919.
Horas de trabalho caindo junto com participação nos sindicatos
Analisando os 38 países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em um período de quase duas décadas até 2017, Cremieux Recueil encontrou um padrão na maioria deles de queda da participação dos trabalhadores em sindicatos junto com queda no número de horas trabalhadas. Somente na Colômbia o número de horas aumentou junto com a queda na participação sindical.
Essas relações entre participação sindical e horas de trabalho, contudo, não pareceram fortes. “Para mim, o que essa análise sugere é que, no mundo moderno, os sindicatos não são claramente os responsáveis por grandes impactos em horas de trabalho” na comparação entre países, disse Recueil, que reconhece que as comparações são complexas.
Mas a pergunta sugerida pelos antigos carpinteiros navais de Boston está posta: sindicatos são mesmo necessários, ou suficientes, para melhorar as condições de trabalho? Para Recueil, eles “não podem ter sido em última análise os responsáveis pelo declínio nas horas anuais de trabalho, pois era necessário o crescimento econômico para que a organização laboral tivesse algo para reivindicar”. Se há trabalho manual pesado no campo e “faltar ao trabalho seria fatal [por fome], não poderia haver uma jornada diária de oito horas; simplesmente não seria factível sem a capacidade de negociar salários e trabalho”.
Amplo consenso dos economistas e historiadores favorece crescimento econômico como causa da redução da jornada de trabalho
Não se discute que os sindicatos tenham participado da conquista da jornada moderna de trabalho: o que se contesta é se foram a principal causa.
Robert Whaples, economista alemão que leciona na Universidade Wake Forest (Carolina do Norte, EUA), publicou em 1990 um artigo em que investigou as causas da redução vertiginosa da jornada de trabalho nos Estados Unidos na década que culminou nas oito horas diárias em 1919. A contribuição causal dada pela sindicalização e greves para a redução da jornada foi de apenas 14%.
As causas mais importantes foram o aumento de salários devido à maior demanda por trabalhadores em um setor manufatureiro em expansão (quase 50% do total), a eletrificação e reorganização gerencial (30%) e a queda na imigração (20%). As atividades sindicais e grevistas tiveram aproximadamente a mesma importância modesta da intervenção do governo (10% a 15%). O ingresso das mulheres no mercado de trabalho ajudou com 4,3%.
Nos anos seguintes, Whaples fez pesquisas de opinião com outros historiadores econômicos para averiguar se ele era uma voz solitária. Mais de 80% de seus colegas concordaram que “a redução da duração da semana de trabalho no setor manufatureiro americano antes da Grande Depressão [de 1929] foi causada em primeiro lugar pelo crescimento econômico e os aumentos de salário que ele trouxe”.
Era uma tendência histórica anterior àquela conferência da AIT: em 1830, a jornada semanal de um operário americano era de 69,1 horas. Em 1860, já tinha baixado para 62 horas. Faz sentido: neste período, foram introduzidas tecnologias como colheitadeiras e o arado de aço, criado por John Deere em 1837. Trabalhar no campo ficava menos pesado e lento para o fazendeiro.
Que dívida de gratidão os trabalhadores têm com os sindicatos pela jornada de oito horas diárias? Não é nula, mas, segundo as investigações de Whaples, Recueil e a maioria dos historiadores econômicos, também não é grande.