Celebridade
a vitória de Trump e um sonho ridículo
Estou aqui há meia hora debatendo comigo mesmo: o que escrever sobre a vitória avassaladora de Donald Trump nos Estados Unidos? Cogito um daqueles diálogos entre Janja e Lula. Organizo mentalmente uma análise séria e fria – coisa de cientista político, com direito a jaleco branco e tudo – mas acho melhor não. E pode ficar tranquilo, editor. Pode ficar tranquilo porque não vou bancar O Senhor do Bom Senso e jogar um balde de realidade no leitor entusiasmado.
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De jeito nenhum! Porque hoje é dia de a direita, os conservadores, os liberais antiwoke e até os fãs de reality shows se esbaldarem: Donald Trump venceu, o que significa dizer que o nosso lado, por mais desunido que seja, venceu. É uma vitória distante, uma vitória “por procuração”, mas é uma vitória – e, caramba, a gente andava precisando mesmo de esperanças. Mesmo que sejam esperanças infundadas ou implausíveis. Só por hoje, vai.
Metáforas botânicas
Mais do que uma vitória, foi uma derrota de uma visão de mundo que considero satânica. Mas este sou eu. Uma visão de mundo que, uma vez plantada, finca raízes na inveja, germina no ressentimento e como frutos dá o mais azedo dos ódios: aquele que se disfarça de amor. E não é segredo para ninguém que essa visão de mundo conta com muitos defensores na imprensa. Taí! É sobre isso que vou falar: os militantes.
Velório
Tanto na imprensa norte-americana quanto na tupiniquim o choro é generalizado. O que mais se vê são rostos preocupados e testas cujas rugas às vezes nem o botox consegue segurar. O clima é de velório, mas não porque morreu a democracia, como eles gostam de dizer; e sim porque morreu (ou pelo menos entrou num coma de no mínimo 4 anos) um projeto de poder que inclui a submissão gradual de toda a sociedade à vontade de burocratas, tecnocratas e intelectuais dissociados da realidade.
Oh, céus!, oh, vida!, oh, azar!
O sofrimento e o tom apocalíptico das “análises” são tão onipresentes que chega a entediar. “Oh, céus!, oh, vida!, oh, azar!” “O mundo acabou!” “Trump vai fazer isso e aquilo”. Sorte que existe uma disputa também pelo desespero mais ridículo. De modo que, entre um militante ambientalista que fala em retrocesso [bocejo] e um militante identitário que fala em extermínio das minorias [outro bocejo], dá para se deleitar com frases como “Democratas vendem fibras, e eleitor, que elege Trump, quer carne vermelha”. Ãhn?!
Recado simples
E o rosário de lamentos e previsões catastróficas continua. Assim como os insultos. Quem votou em Trump é fascista, racista, sexista – e outros tantos “istas”. O que desperta ainda mais a raiva do espectador, ouvinte ou leitor. Não faz sentido, ainda mais para uma imprensa carente de audiência, credibilidade e principalmente de autoridade e da, digamos, parceria do público. E ainda mais para uma militância que acabou de sofrer uma derrota que nada mais é do que um recado simples: não gostamos da sua visão de mundo, nem de suas ideias para o futuro e muito menos do seu jeito de promover o bem comum. Preferimos o outro lado.
Outro recado
Mas eles não dão ouvidos a esse recado. Talvez porque estejam ocupados demais ouvindo os alaridos da própria jenialidade. Ou porque temem o confronto com o erro. Seja lá qual for o motivo, o recado está dado. Recado ao qual acrescento este (que será devidamente ignorado, bem sei): é preciso tratar o público com respeito e encarar as discordâncias não como ameaças à sobrevivência de um grupo ou da próprio civilização, e sim como um embate natural e saudável entre pessoas que, no fundo, querem o bem umas das outras, e que em geral concordam com o objetivo, embora discordem veementemente do caminho.
(Sonho ridículo)
(Agora, cá entre nós, se o Elon Musk encontrar um tempinho na agenda para lembrar Trump de certo careca que o multou em R$20 milhões, o obrigou a pedir desculpas e tirou sua plataforma do ar por mais de um mês… não vou reclamar. Nem que seja para tirar o visto do ministro. É desejo de vingança disfarçada de justiça? É. Mas hoje, só por hoje, vou me permitir sonhar esse sonho ridículo e humano. Por mais patético que ele seja e reconheço que é).