Connect with us

Celebridade

Canadá testa internação compulsória de dependentes químicos

Published

on

Canadá testa internação compulsória de dependentes químicos

Estar na retaguarda das políticas públicas tem muitas desvantagens, mas pelo menos uma vantagem: é possível aprender com os erros de quem resolveu arriscar demais. Enquanto eles estão voltando, nós estamos indo.

Por exemplo: o estado americano do Oregon, um dos pioneiros na legalização das drogas, recuou recentemente e voltou a tratar a posse de entorpecentes como crime. Em 2020, os cidadãos do Oregon aprovaram uma proposta que descriminalizou a posse de todas as drogas. Não deu certo. Em março deste ano, a assembleia legislativa do estado desfez a medida.

Outro exemplo acaba de surgir. A província canadense da Colúmbia Britânica, que abriga a cidade de Vancouver, anunciou que vai internar dependentes químicos compulsoriamente.

A decisão veio a público em 15 de setembro. O premiê (equivalente ao cargo de governador) David Eby afirmou que a província terá 400 leitos dedicados a pacientes internados contra a própria vontade.

“A crise das drogas de hoje não é a mesma de dez ou até cinco anos atrás. Estamos enfrentando um número crescente de pessoas com efeitos duradouros de múltiplas overdoses e problemas complexos de saúde mental”, justificou Jennifer Whiteside, a ministra da Saúde Mental e Dependências da província.

É uma guinada e tanto para um governo que se orgulhava de ser tolerante com o consumo de drogas. Mas não é a primeira.

O experimento da Colúmbia Britânica

Eby pertence ao Novo Partido Democrático, de centro-esquerda, que governa a Colúmbia Britânica desde 2017. De lá para cá, a província havia adotado uma política de tolerância com o consumo de drogas (e não apenas a maconha). Dependentes químicos podiam frequentar locais em que o consumo de entorpecentes era feito de forma “segura”, com o apoio de profissionais de saúde.

Em janeiro de 2023, o consumo de drogas passou a ser legal na Colúmbia Britânica. Qualquer pessoa com mais de 18 anos podia portar até 2,5 gramas de entorpecentes (inclusive crack e metanfetaminas) sem ser preso. A norma entrou em vigor porque o governo central do Canadá concordou em suspender a aplicação da lei anti-drogas na Colúmbia Britância por três anos.

A abordagem não deu certo: as ruas de Vancouver, maior cidade da província, foram tomadas por dependentes químicos.

Em abril deste ano, o premiê da província pediu ao governo canadense uma revisão na política. David Eby solicitou que o consumo público de drogas voltasse a ser proibido “em todos os espaços públicos”, inclusive hospitais (onde até então, em nome da política de redução de danos, o consumo de entorpecentes de forma controlada e supervisionada não era tratado como crime).

“Manter as pessoas seguras é a nossa maior prioridade. Apesar de sermos cuidadosos e compassivos com aqueles que enfrentam o vício, nós não podemos aceitar a desordem nas ruas que faz nossas comunidades se sentirem inseguras”, afirmou Eby.

A decisão de internar dependentes químicos compulsoriamente é um novo passo nessa direção.

Medida não é exceção

Uma representante do Partido Verde do Canadá afirmou que a decisão de Eby é “reacionária”. Já os conservadores apoiam a mudança de postura, embora questionem os motivos da guinada.

Um dos maiores especialistas brasileiros no assunto, o psiquiatra Ronaldo Laranjeira diz que a Colúmbia Britânica segue uma tendência global. “Em todos os países democráticos do mundo existe algum tipo de tratamento coercitivo”, afirma ele, que é professor da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo).

Em entrevista à Gazeta do Povo, Laranjeira disse concordar com a política adotada pela província canadense. “Eles estão aperfeiçoando o que se faz com uma população que francamente já passou do limite de se decidir por si mesma. É o que uma sociedade civilizada deve fazer”, diz ele.

O professor cita como exemplo o Reino Unido, onde o Judiciário tem o poder de determinar a internação compulsória de pessoas com dependência química.

Brasil já permite internação compulsória

A lei do Brasil já permite que dependentes químicos sejam internados contra a própria vontade. As normas, entretanto, diferem internação involuntária de compulsória. O primeiro caso geralmente é uma decisão do médico, depois de avaliar o paciente.

Já o segundo depende de uma ação da Justiça. “A família junta evidências de que a pessoa não tem poder sobre si mesma e o juiz determina a internação compulsória”, explica Ronaldo Laranjeira.

O professor da UNIFESP atua no Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas, instalado na região da cracolândia paulistana. Ele afirma que a equipe interna entre 30 e 40 pessoas por dia. Algumas pessoas às vezes estão tão perdidas que acabam aceitando o tratamento. Mas algumas pessoas chegam violentas, com facas e machetes”

Laranjeira diz que é preciso aumentar o número de internações compulsórias de frequentadores da cracolândia, mas afirma que falta estrutura para atender a demanda. Com o número atual de internações, diz ele, a situação já está no limite.

Aplicação em São Paulo?

Os candidatos no segundo turno da disputa pela Prefeitura de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), têm visões diferentes sobre a internação involuntária. Nunes, que é o atual prefeito da cidade, apoia a política. Boulos, que já criticou a medida no passado, é mais reticente.

Laranjeira acredita que uma forma de acelerar esse processo seria dar mais poder à Guarda Civil Metropolitana.

“Na Inglaterra é assim. Se um guarda vê alguém perdido na rua, ele pode levá-la para um local de avaliação. Só com essa ação seria possível tirar das ruas um terço das pessoas que estão nas ruas de São Paulo e que, francamente, estão com doença mental”, ele estima.

Nos últimos meses, a concentração de usuários tem oscilado entre 500 e 800 pessoas por vez, segundo monitoramento da Prefeitura de São Paulo.

Continue Reading
Advertisement
Clique para comentar

Deixar uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *