Política
Indústria vê risco de desestímulo em texto do governo com regras para conteúdo local em projetos de petróleo
Ministério de Minas e Energia diz que projeto visa aumentar investimentos no país e que não será permitida retroatividade dos valores. O governo enviou no último mês um projeto de lei que pode permitir a transferência de conteúdo local entre diferentes projetos no setor petróleo, flexibilizando a contratação de produtos e serviços no Brasil.
A medida foi apresentada como uma forma de aumentar as contratações do setor no país, gerando mais investimentos e empregos. É esperado um desembolso de mais de R$ 3 bilhões, segundo o governo.
🛢️Conteúdo local é a parcela de produtos e serviços de cada projeto de petróleo e gás natural que têm que ser contratada no Brasil para fomentar a indústria local. Se a empresa descumprir, é penalizada.
Representantes da cadeia produtiva para o setor de petróleo veem a medida como um desincentivo à indústria local.
O receio sobre os efeitos desse projeto se dá porque o texto permite que as petroleiras usem, em novos projetos, créditos de investimentos já realizados, sem novas contratações.
Um dos trechos do projeto de lei diz que “para os contratos de petróleo e gás em que não haja exigência de conteúdo local mínimo, o valor investido no país poderá ser usado como excedente e transferido para outros projetos.”
Ou seja, o valor executado no projeto A – em que não há exigência de conteúdo local – poderá ser transferido para o projeto B, para cumprir com as exigências, sem novas contratações de produtos e serviços no Brasil.
“Do ponto de vista técnico, o texto não aumenta a atividade da indústria local, não é indutor de aumento da atividade da indústria local. Ou seja, não vai gerar mais emprego, mais arrecadação ou mais exportação. Não tem efeito prático sobre a economia local”, declarou o diretor executivo da Associação Brasileira das Empresas de Bens e Serviços de Petróleo (Abespetro), Telmo Ghiorzi.
O projeto tramita em regime de urgência constitucional, com prazo até 11 de outubro para ser votado pela Câmara dos Deputados. Depois do prazo, o texto vai se sobrepor às outras pautas, travando as votações da Casa.
Plataforma de petróleo
GETTY IMAGES via BBC
Brecha
Há, contudo, uma dúvida que o projeto enviado pelo governo não esclarece: investimentos já realizados, no passado, poderiam ser usados como créditos para novos projetos?
Para Ghiorzi, caso isso seja permitido, haveria um impacto “muito significativo” na indústria, na casa de bilhões de dólares.
O executivo afirma que, em sua percepção, o projeto de lei poderia atender aos contratos dos primeiros leilões de petróleo, que não tinham contratação obrigatória de conteúdo local.
No último dia 26, em entrevista a jornalistas, o secretário de Petróleo, Pietro Mendes, confirmou que a medida está relacionada a esses contratos, cujos projetos agora passam por revitalização.
“As petroleiras que investiram nas primeiras rodadas teriam agora um bônus de excedente que poderia ser usado em outros projetos. Ou seja, é um ganho que a petroleiras têm, mas não contribui em nada para a cadeia produtiva brasileira”, declarou Ghiorzi.
Investimento retroativo vai contar?
Procurado pelo g1, o Ministério de Minas e Energia disse que “não é permitida a retroatividade para fins de transferência de excedentes de conteúdo local”.
“O PL [projeto de lei] é aplicável apenas a novos investimentos, com o intuito de estimular que os mesmos tenham níveis de conteúdo local mais elevados em relação àqueles atualmente praticados”, continua a pasta.
No entanto, não há proibição de retroatividade no projeto. Dessa forma, o valor investido pode virar “uma moeda, um crédito, um direito aí com algum valor econômico”, afirmou o advogado Rodrigo Mariani, do escritório BMA Advogados.
Para Rodrigo, caso aprovada pelo Congresso, a medida ainda vai precisar ser regulamentada pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Quais os impactos no setor?
De acordo com o advogado, a medida pode ser positiva para o setor. “Lendo o PL, eles parecem estar olhando aqui para um curto prazo, por assim dizer, como oportunidades eminentes de alocação de investimento”, declarou.
“Se em um determinado contrato, a produtora já ‘bateu a meta’ [de conteúdo local], no entanto, ela consegue continuar usando a indústria local para produzir determinada peça, conjunto de peças, sistema, de forma competitiva, com prazos razoáveis, ela tem um incentivo a mais para fazê-lo, sabendo que vai poder usar esse excedente como ‘crédito’ para compensar a obrigação de contratação em outros contratos”, disse o advogado.
A justificativa do texto enviado ao Congresso cita um projeto da Petrobras, os campos Marlim Leste e Marlim Sul – obtidos pela empresa quando ainda não havia obrigação de conteúdo local.
Segundo o texto, a licitação para a revitalização dos campos está prevista para ocorrer em setembro, o que justificaria a “urgência de aprovação do Projeto de Lei proposto”.
Ao g1, o Ministério de Minas e Energia disse que o projeto visa “aumentar os investimentos em conteúdo local, tendo em vista que foram identificadas situações em que as empresas têm preferido pagar as multas em vez de contratarem conteúdo local”, declarou.