Política
Reunião para ‘consumar’ golpe, ‘minuta’ e ‘inteligência paralela’: os motivos da PGR para pedir as quatro prisões
Ex-assessor de Bolsonaro Filipe Martins e dois militares foram presos; outro militar está nos EUA e, por isso, prisão ainda não foi cumprida. Operação mira grupo que teria arquitetado golpe de Estado em 2022. A Procuradoria-Geral da República (PGR) usou mensagens encontradas nos aparelhos eletrônicos de Mauro Barbosa Cid, ex-assessor especial de Jair Bolsonaro, para embasar os quatro pedidos de prisão preventiva cumpridos na operação Tempus Veritatis, nesta quinta-feira (8).
Os pedidos foram acolhidos pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Foram presos nesta quinta:
Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro;
Marcelo Câmara, coronel da reserva do Exército citado em investigações como a dos presentes oficiais vendidos pela gestão Bolsonaro e a das supostas fraudes nos cartões de vacina da família Bolsonaro;
Rafael Martins, tenente-coronel do Exército.
O coronel do Exército Bernardo Romão Corrêa Netto, alvo do quarto mandado, não foi detido porque está nos Estados Unidos. O mandado de prisão será enviado ao Exército para que notifique o militar.
Também foi preso em flagrante o presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto – mas não havia mandado de prisão pedido pela PGR. Durante as buscas, policiais encontraram uma arma com documentação vencida e em nome do filho de Valdemar, mas na posse do político.
Confira, abaixo, o que a PGR usou para embasar os quatro pedidos de prisão preventiva:
Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro;
De acordo com a Procuradoria-Geral da República, Filipe Martins entregou ao ex-presidente Jair Bolsonaro um documento com “considerandos [considerações] a respeito de supostas interferências do Poder Judiciário no Poder Executivo”.
Esse documento é o mesmo que sugeria que fossem decretadas as prisões de diversas autoridades, incluindo os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Ainda de acordo com a PGR, Jair Bolsonaro teria lido o documento e “solicitado que Filipe [Martins] alterasse as ordens contidas na minuta”.
Filipe Martins, “então, retornou alguns dias depois ao Palácio da Alvorada, acompanhado do referido jurista [Amauri Feres Saad], com o documento alterado, conforme as diretrizes dadas.”
Foi a partir dessa nova versão que, segundo a PGR, Jair Bolsonaro convocou a cúpula das Forças Armadas “para que comparecessem ao Palácio da Alvorada, no mesmo dia, a fim de apresentar-lhes a minuta e pressioná-los a aderir ao golpe de Estado.”
“As investigações demonstram que o ex-assessor Filipe Martins exercia posição de proeminência nas tratativas jurídicas para a execução do golpe de Estado, por meio da intermediação com pessoas dispostas a redigir os documentos que atendessem aos interesses da ala mais radical”, diz a PGR no documento ao STF.
Martins “não apenas esteve presente quando da apresentação da minuta aos Comandantes do Exército e da Marinha e ao então Ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, como seu nome figura na lista de passageiros que viajaram a bordo do avião presidencial, no dia 30.11.2022, para Orlando, nos EUA.”
Como o controle migratório não registrou a saída de Filipe Martins, a PGR suspeitou que o ex-assessor pudesse ter fugido do país – e, por isso, decretou a prisão.
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Marcelo Câmara, coronel da reserva do Exército;
Marcelo Câmara é coronel da reserva do Exército e ex-assessor especial da Presidência.
Segundo a PGR, ele era “responsável pelo núcleo de inteligência paralela, coletando informações sensíveis e estratégicas, com aptidão para auxiliar a tomada de decisões do ex-Presidente da República.”
O Ministério Público Federal menciona mensagens identificadas entre ele e Mauro Barbosa Cid, sobretudo a partir de 15 de dezembro de 2022, que “demonstram sua forte atuação no monitoramento do itinerário, do deslocamento e da localização do Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.”
“A vida privada e a liberdade de locomoção do Ministro foram acompanhadas pelo grupo criminoso, ao menos até seu retorno de São Paulo para Brasília, para presenciar a cerimônia de posse de Luiz Inácio Lula da Silva”, diz a PGR.
Segundo as investigações, Marcelo Costa Câmara já tinha o “itinerário exato de deslocamento do ministro” nas semanas finais de dezembro.
“O acesso privilegiado às informações sensíveis e às circunstâncias identificadas evidenciam ações de vigilância e monitoramento em níveis avançados, o que pode significar que, sobretudo por meio da atuação de Marcelo Costa Câmara, o grupo criminoso utilizou equipamentos tecnológicos fora do alcance legal das autoridades de controle oficiais”, diz o documento enviado ao STF.
A PGR pediu a prisão preventiva de Marcelo Câmara porque diz que não é possível saber se esse monitoramento de Moraes e outras autoridades foi interrompido.
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Rafael Martins, tenente-coronel do Exército
A Procuradoria-Geral da República identifica o major Rafael Martins como “interlocutor de Mauro Cid na coordenação de estratégias adotadas pelos investigados para a execução do golpe de Estado e para obtenção de formas de financiar as operações do grupo criminoso.”
Segundo a PGR, a partir de diálogos de Mauro Cid, Rafael Martins pediu orientações ao então assessor de Bolsonaro sobre “os locais para a realização das manifestações”.
Perguntou a Mauro Cid, também, se “as Forças Armadas garantiriam a permanência e a segurança das pessoas no local, inclusive, logrando a confirmação de que os alvos seriam o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.”
No dia 14 de novembro de 2022, Martins também contatou Mauro Cid pedindo R$ 100 mil para “custos com hotel, alimentação e material”. Cid teria orientado o major a “trazer pessoas do Rio”.
Mencionando as investigações da Polícia Federal, a PGR diz haver indícios de que o major Rafael Martins de Oliveira “atuou de forma direta no direcionamento dos manifestantes para os alvos de interesses dos investigados, além de realizar a coordenação financeira e operacional para dar suporte aos atos antidemocráticos e arregimentar integrantes das Forças Especiais do Exército, para atuar nas manifestações que, em última análise, não se originavam da mobilização popular”.
Segundo a PGR, a manutenção da liberdade de Martins “colocaria em risco a garantia da ordem pública. Nesse sentido, a representação ressalta que não há como assegurar que as condutas praticadas pelo investigado tenham cessado, mesmo após a transição do governo”.
A Procuradoria diz ainda que a prisão de Martins é importante em razão do “modus operandi do investigado, que, não raro, apaga ou cifra documentos que poderiam revelar a participação de pessoas e as circunstâncias dos crimes praticados”.
Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel do Exército
Na época dos fatos sob investigação, em 2022, Corrêa Netto era assistente do Comando Militar do Sul.
Segundo a PGR, diálogos encontrados no celular de Mauro Barbosa Cid mostram Corrêa Netto intermediando uma reunião em 28 de novembro de 2022 com oficiais formados no Curso de Forças Especiais – os chamados “kids pretos” – “[…] providos, pois, de técnicas militares úteis para a consumação do golpe de Estado, e assistentes dos generais supostamente aliados.”
No mesmo dia, Corrêa Neto teria enviado a Mauro Cid a minuta de uma “carta ao comandante do exército de oficiais superiores da ativa do Exército Brasileiro”, que poderia ser usada para pressionar o então comandante do Exército, general Freire Gomes.
Segundo a PGR, “a investigação identificou que Corrêa Netto agia como homem de confiança de Mauro Cid, executando tarefas fora do Palácio da Alvorada que o então Ajudante de Ordens da Presidência da República não conseguiria desempenhar.”
A prisão é justificada pela possibilidade de interferir nas investigações e pelo fato de ele estar nos Estados Unidos até 2025 em uma missão publicada no dia 30 de dezembro de 2022 – o que, para a PGR, indica “[…] que Corrêa Netto agiu para se furtar ao alcance das investigações e, consequentemente, da aplicação da lei penal.”
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O que diz a Marinha
Em nota, a Marinha do Brasil informou que não se manifesta sobre processos investigatórios em curso, sob sigilo, no âmbito do Poder Judiciário.
Acrescentou que consiste da sua missão “reafirma que pauta sua conduta pela fiel observância da legislação, valores éticos e transparência”.